Israel ignora sofrimento de doentes e feridos

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Por Agencia Estado
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Era pouco depois do meio-dia, e a maternidade nos subúrbios desta cidade da Cisjordânia estava calma, exceto pelo ocasional choro de fome de recém-nascidos. Médicos dizem que foi então que as tropas israelenses invadiram o centro médico. Os soldados algemaram obstetras, expulsaram mães e bebês dos quatros e os fizeram esperar no frio saguão de entrada, fizeram retornar uma ambulância que chegava com uma mulher em trabalho de parto, e ficaram mais de uma hora vasculhando "todas as salas, todos os armários, todos os banheiros", disse o diretor da clínica, doutor Odeh Abu Nehleh, um palestino de 51 anos que vem trazendo crianças à luz por mais da metade de sua vida. Palestinos disseram que a invasão desta quinta-feira da maternidade administrada pela Crescente Vermelho em El Bireh, uma vila superpovoada nos arredores de Ramallah, foi apenas a última de uma série de ações de Israel molestando, detendo e evitando que pessoal médico palestino atenda os doentes e feridos durante a maior ofensiva militar do Estado judeu em uma geração. Em toda a Cisjordânia, onde tropas israelenses assumiram o controle de praticamente todos os principais centros populacionais na última semana, ambulâncias estão sendo rotineiramente impedidas de alcançarem civis feridos, e outras pessoas exigindo cuidados médicos urgentes - pacientes de diálise renal, asmáticos, cardíacos, mulheres grávidas - correm o risco de perder a vida porque não podem chegar aos hospitais, disseram palestinos. Israel garante que não está sendo negado deliberadamente acesso a centros médicos para ninguém. O Exército argumenta que muitas vezes quando os combates se intensificam é impossível que ambulâncias cheguem aos feridos, mas eles podem passar desde que consigam anteriormente uma permissão. Israel também sublinhou que num caso no mês passado, uma ambulância palestina levando uma criança doente tinha em seu interior uma contrabandeada cinta explosiva. A rápida deterioração da situação médica em cidades palestinas ocupadas por Israel tem provocado forte preocupação em grupos internacionais. O grupo Médicos Sem Fronteira, baseado em Paris, denunciou hoje a "violação agora constante" do direito de tratamento dos pacientes, e afirmou que o Exército israelense renegou um acordo permitindo que equipes do grupo entrassem em áreas ocupadas. Autoridades médicas palestinas dizem que já estão ocorrendo mortes evitáveis de uma variedade de doenças, e elas certamente irão aumentar se prosseguir a incursão militar. Em Ramallah, um mulher de 39 anos, Maha Ghubaet, uma paraplégica sofrendo de asma aguda, morreu em sua casa na quarta-feira. Sua desesperada família, presa em sua casa, chamou médicos por dias, dizendo que ela estava perdendo o fôlego e havia acabado os inaladores. "Ela poderia ter sobrevivido caso fosse levada para um hospital", disse entre lágrimas seu pai, Issa Ghubaet, 69 anos. Com um toque de recolher militar em vigor e tiroteios nas ruas, ele ficou com medo de levá-la de carro ao hospital, e o hospital informou que nenhuma ambulância conseguia passar. Aumentando o sofrimento da família, o corpo da mulher ainda estava na sala da casa mais de 24 horas depois da morte. A família tem pedido, também sem sucesso, para que uma ambulância leve o corpo. "Nosso sofrimento é tão grande, não apenas porque ela está morta, mas também porque ela está aqui diante de nossos olhos", disse Ghubaet. O médico Husni Atari, diretor do Hospital de Ramallah, afirmou estar recebendo chamadas frenéticas da família de um homem de uns 30 anos que recebe diálise três vezes por semana. Depois de sete dias sem o tratamento, ele está doente e apático, com sua família temerosa de que ele também morra. Desde o início da ofensiva israelense, praticamente todos os dias há informações sobre danos em facilidades e equipamentos médicos palestinos. Na cidade de Jenin, no norte da Cisjordânia, onde tanques e tropas israelenses tomaram o controle ontem, sete bombas atingiram o hospital local, cortando um aparelho de oxigênio, informou o diretor do hospital, Mohammed Abu Ghali. A Crescente Vermelha informou que três de suas ambulâncias foram destruídas por tanques na cidade de Tulkarem. Segundo a mesma fonte, os israelenses proibiram a movimentação de ambulâncias em Nablus, a maior cidade da Cisjordânia, onde as tropas israelenses consolidaram seu controle hoje pela manhã. Na cidade de Qalqilya, uma clínica fora fechada a pacientes e hoje é utilizada como centro de interrogatórios pelo exército israelense. "A situação é desesperadora em todas as partes", disse o presidente da Associação Médica Palestina, Mustafá Barghouti. "Ninguém pode ajudar os pacientes, e as necessidades são enormes".

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