Israelense nega oferta nuclear ao apartheid

Acusado em reportagem do 'Guardian' de ter negociado com África[br]do Sul racista armamento atômico, Peres acusa jornal de 'parcialidade'

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Por Gustavo Chacra , CORRESPONDENTE e NOVA YORK
Atualização:

Israel teria oferecido armas nucleares para a África do Sul durante o regime do apartheid, informou ontem o jornal londrino The Guardian. As informações do jornal britânico têm como base documentos secretos da África do Sul obtidos pelo acadêmico americano Sasha Palakow-Suransky. Segundo o Guardian, os papéis que Suransky obteve seriam a primeira prova documental do programa nuclear israelense. Suransky lançará nesta semana um livro sobre as relações de Israel com o regime do apartheid. O diário acrescenta ainda que as negociações eram lideradas pelo então ministro da Defesa e hoje presidente israelense, Shimon Peres. Logo depois da publicação do artigo, que repercutiu ao redor do mundo, Israel negou a acusação. O gabinete de Peres publicou ainda uma nota em inglês criticando a "parcialidade" da reportagem. O presidente afirma que não foi ouvido pelo Guardian e nega que tenha existido qualquer transação nuclear entre Tel-Aviv e a Pretória racista. "Não há base na realidade para essas acusações", afirma a nota israelense.A divulgação do material sigiloso ocorre enquanto novas sanções ao programa nuclear iraniano são discutidas na ONU. Alguns países, como o Egito e a Turquia, dizem haver dois pesos e duas medidas no debate, já que os EUA e seus aliados ignoram o programa nuclear israelense. Na avaliação de turcos e egípcios, Israel deveria ser pressionado a assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), atualmente em negociação em Nova York.Oficialmente, Israel pratica a chamada "política de ambiguidade", sem confirmar nem negar que tenha armas nucleares. No entanto, governos e analistas internacionais são unânimes em dizer que os israelenses produzem armas atômicas há mais de três décadas - alguns afirmam que o país já tenha 300 ogivas. "Três tamanhos". Nos documentos - classificados como "supersecretos" e citados pelo Guardian -, o trecho sobre as armas nucleares relata que o então ministro da Defesa sul-africano, Pieter W. Botha, que anos depois seria presidente, teria pedido ogivas para Peres. O israelense Nobel da Paz respondeu com uma oferta em "três tamanhos". Para o jornal londrino, os tamanhos, na verdade, significam as variações "nuclear, química e convencional" para a carga que mísseis israelenses comportariam. Essas expressões, porém, não estão presentes no documento e seriam interpretações do repórter e do acadêmico.O Guardian também divulgou um memorando feito pelo então chefe das Forças Armas da África do Sul, general R. Armstrong, escrito no mesmo dia do encontro de Peres com Botha. Nele, o militar diz que, "considerando os méritos do sistema de armas oferecido, algumas interpretações podem ser feitas, como a de que os mísseis serão armados com ogivas nucleares produzidas na África do Sul ou em outro lugar". Nesse caso, não há uso da palavra "Israel" e o jornal apenas faz a relação da coincidência das datas. Além disso, na época, os sul-africanos ainda não haviam desenvolvido armas nucleares - no fim do regime, o programa foi eliminado."Infelizmente, o Guardian optou por escrever um artigo com base em uma interpretação seletiva de documentos da África do Sul e não em fatos concretos", afirmou ontem a assessoria do presidente de Israel. "Não existe assinatura israelense em nenhum documento informando que essa negociação ocorreu."Peres prometeu ainda enviar uma "dura carta de reclamação" ao editor do jornal londrino e um pedido para que "os verdadeiros fatos" sejam publicados.PARA LEMBRARIsolamento uniu Israel e África do SulAutoridades israelenses negam qualquer afinidade com a África do Sul racista e afirmam que a relação se resumiu à cooperação militar em um momento em que o Estado judeu estava isolado. Na década de 60, Israel havia criticado duramente o regime sul-africano em busca de uma aproximação com as recém-independentes repúblicas africanas. Mas, após a Guerra do Yom Kippur (1973), a situação inverteu-se e a esmagadora maioria dos movimentos negros africanos passou a apoiar a Organização para Libertação da Palestina (OLP) de Yasser Arafat. Nesse contexto, Israel aproximou-se da África do Sul racista, que passou a lhe fornecer urânio. No fim da década de 70, Pretória era o principal cliente da indústria armamentista israelense. Nos anos 80, com o crescimento da pressão internacional sobre o regime sul-africano, a aliança perdeu força.

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