'Itaipu não pode parar por um problema político'
Novo diretor paraguaio de usina tenta usar hidrelétrica como canal diplomático para conter crise com Brasil
Entrevista com
Entrevista com
26 de junho de 2012 | 03h05
O novo governo paraguaio, de Federico Franco, quer usar Itaipu como um canal de diálogo diretamente com o Planalto. Nos bastidores em Assunção, há a percepção de que o Itamaraty tem uma visão mais dura em relação à crise paraguaia, enquanto outros setores e figuras do governo, como o diretor brasileiro de Itaipu, Jorge Samek, são mais "simpáticos" à causa do governo Franco. Em entrevista ao Estado, o novo diretor paraguaio de Itaipu - indicado por Franco no domingo -, Franklin Boccia, afirmou que conversou ontem com Samek e se encontrará hoje, às 14 horas, em Foz do Iguaçu, com o colega brasileiro. Ele quer que Samek envie uma mensagem à presidente Dilma Rousseff sobre a "situação real no Paraguai" - na prática, driblando o Itamaraty. Engenheiro formado pela PUC-Rio, Boccia fazia parte do conselho administrativo de Itaipu e foi uma "solução técnica" de Franco para o cargo.
Existe a intenção de usar o diretor brasileiro de Itaipu como um canal de diálogo na crise, é isso?
Por instruções do presidente (Franco) e pela amizade que tenho com Samek, a primeira coisa que fiz hoje (ontem) de manhã cedo foi conversar com ele.
E como foi a conversa?
Espetacular. Samek é uma pessoa com coração muito grande. Ele me disse que havia problemas trazidos pelos representantes do países da Unasul que estiveram aqui em Assunção e o Brasil estava olhando com atenção a esse processo. Mas ficamos de conversar amanhã (hoje) às 14 horas, em Foz do Iguaçu, para que a figura política de Samek possa influenciar o governo brasileiro e convencer a presidente Dilma. Franco e nós, que estamos em Itaipu, temos muita confiança na capacidade do Samek de fazer uma ponte de diálogo.
E por que apelar para Samek e não seguir o caminho natural, via Itamaraty?
As chancelarias estão conversando. Não sei o nível de amizade e o tipo de contato que há entre os chanceleres. Mas queremos abrir um outro caminho de diálogo para fazer chegar a Dilma a realidade do Paraguai.
E qual seria essa "realidade do Paraguai"?
Aqui não houve golpe, mas a aplicação estrita da Constituição e de seu artigo 225 (que prevê o "julgamento político" do presidente). Talvez o tempo para a defesa tenha sido curto, mas os próprios advogados (do ex-presidente Fernando Lugo) não conseguiram preenchê-lo. Foi legal, isso não tem discussão nenhuma. Converse com qualquer advogado de primeira linha aqui, todos aceitam que foi legal. Alguns falam que é ilegítimo, mas uma Câmara de Deputados, com 80 membros, teve 76 votos a favor do impeachment, e um Senado, com 45 lugares, teve 39 votos favoráveis. Eu fui deputado no Paraguai em um momento de muita convulsão política, em 1999, quando o presidente Raúl Cubas Grau renunciou. Quanto a este momento em que vivemos agora, e digo isso como alguém que conhece por dentro da política paraguaia, nunca na história deste país houve tanto consenso e uma maioria absolutíssima contra o presidente.
E se as relações Brasil-Paraguai esfriarem ainda mais, ou se o governo paraguaio for suspenso de mais mecanismos do Mercosul, qual será o impacto disso sobre Itaipu?
A presidente Dilma fez uma declaração de que todos os convênios acordados são com países, não com governos. Isso já diz muita coisa. E não pode a Itaipu binacional, a recordista mundial de produção de energia elétrica, com possibilidades de bater o recorde de novo este ano, parar por causa de problemas políticos. Itaipu é um cadeado que une Paraguai e Brasil. Além disso, aqui no Paraguai há mais de 100 mil brasileiros com filhos paraguaios e terras no país, produzindo e trabalhando aqui. Eles também já se manifestaram para que o Brasil apoie Franco.
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