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Itália elege herói e vilão nacional

Capitão da Guarda Costeira e comandante de navio personificam 'país ideal' e 'nação sem rumo'

Atualização:

Na Itália, o homem do momento é Gregorio de Falco, capitão da Guarda Costeira em Livorno. Foi ele quem gritou, xingou e mandou o capitão do Costa Concordia, Francesco Schettino, voltar a bordo para ajudar a socorrer os passageiros.

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Após a divulgação da transcrição dos telefonemas trocados entre os dois, na terça-feira, De Falco virou ídolo dos italianos no Facebook e no Twitter, a ponto de alguns circularem pelo país com camisetas que trazem impressas a frase do capitão que virou o bordão da tragédia: "Volte a bordo, c...!"

Enquanto a hashtag #vadaabordocazzo virou trending topics do Twitter na Itália, a camiseta criada pela Lipsia Design foi colocada a venda por 12,90 no site da empresa. "'Volte a bordo, c...!' não é apenas uma ordem. A frase é um símbolo de quem, nesse país, não se rende diante de qualquer dificuldade", diz o texto que acompanha o produto.

Segundo os amigos mais íntimos, entrevistados freneticamente nas últimas horas pela imprensa italiana, o novo herói nasceu em Nápoles, tem 47 anos, formou-se capitão de fragata e entrou para a academia da Guarda Costeira após passar em um exame de seleção, em 1994.

Após três anos como comandante da Capitania do Porto da cidadezinha de Santa Margherita Ligure, ele foi transferido para Livorno, em 2005, onde chegou para chefiar a seção de operações local. Um currículo simples para um homem simples. Discreto, sem hobbies, é casado com Raffaella e tem duas filhas, Maria Rosaria, de 12 anos, e Carla, de 5 - todos moram em Livorno.

Ontem, em sua primeira entrevista, dada ao jornal La Repubblica, ele disse que não dorme há quatro dias, não tirou o uniforme e chorou bastante desde sexta-feira, quando percebeu que mulheres, crianças e idosos não haviam conseguido desembarcar do navio.

Durante a entrevista, De Falco rejeitou insistentemente o rótulo de herói nacional. "Deus, mas o que foi que eu fiz de extraordinário? Apenas cumpri o meu dever. Fiz aquilo que qualquer um faria no meu lugar naquela noite." Mais adiante, um novo constrangimento diante dos dois repórteres do jornal.

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"Posso pedir um favor a vocês? Esqueçam-me", disse. "Herói é o meu subcomandante, Alessandro Tosi, que olhando para um pontinho verde no monitor descobriu o que estava acontecendo. Herói é Marco Savastano, nosso socorrista, que salvou quase todas aquelas pessoas naquela noite. É sobre ele que vocês devem escrever."

Crise de confiança. Seja como for, a autoridade e a firmeza do capitão conquistou os italianos. Na visão de muitos, a frase "Volte a bordo, c...!" virou a metáfora de um país à deriva. De Falco virou sinônimo da Itália ideal. Schettino, o comandante que abandonou o navio, um vilão que se tornou o retrato de uma nação sem rumo.

O pessimismo italiano parece ter se espalhado por todos os setores. Na política, o então premiê Silvio Berlusconi saiu do poder pela porta dos fundos, envolvido em uma série de escândalos sexuais. Na economia, o país parece andar para trás. Segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Itália deve entrar em recessão em 2012 e terá dificuldades para rolar sua dívida de US$ 1,9 trilhão - a agência de classificação de risco Standard & Poor's acabou de rebaixar a nota italiana. Nem o futebol se salva: importantes clubes e jogadores do país estão sendo investigados em razão de um escândalo de manipulação de resultados.

Por isso, o naufrágio de um navio gigantesco de US$ 450 milhões, com mais de 4,2 mil pessoas a bordo, em uma noite clara, com ótima visibilidade e mar calmo, só poderia ter sido obra de um comandante italiano.

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"Na Itália dos Schettinos e dos De Falcos, eu quero ser uma De Falco", disse uma italiana no Twitter. Outro tuiteiro italiano foi além: "Gregorio de Falco para presidente".

Muitos não perderam o humor e aproveitaram para fazer piada com a crise europeia ao saberem que o subcomandante do Costa Concordia, Dimitri Christidis, é grego. "Comandante italiano. Subcomandante grego. O navio afunda. Muitos alemães morrem. A analogia é inquietante", escreveu Daniele Salzarulo. "Um italiano afunda o navio, escapa com um grego e deixa para trás alemães e franceses. Não, isso não é uma piada", disse uma internauta de Trento. / REUTERS, AP e AFP

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