Jerez, presença destacada no mercado mundial de vinhos

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Por Agencia Estado
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Um dos cartões postais de Madri é a Puerta del Sol, praça que fica no centro da cidade. Ali, chama a atenção um luminoso em néon situado sobre um edifício de escritórios, que já se integrou à paisagem local: o logotipo do vinho Tio Pepe, com a figura de uma garrafa negra, ´vestida´ com chapéu e casaco vermelhos, segurando um violão. Trata-se do produto espanhol que alcança o maior número de países, e que provém de uma cidade que fica no sul do país, a 600 km de Madri: Jerez de la Frontera, capital do vinho espanhol. Na época em que a região era dominada pelos árabes, entre os séculos 8 e 15, os muçulmanos chamavam a cidade de Scheris - daí o nome espanhol, Jerez, e o inglês, sherry, relativos à bebida produzida a partir das uvas cultivadas na região, de fama tão antiga que foi mencionada em algumas das obras de Shakespeare. A partir do século 19, os ingleses fomentaram a indústria vinícola em Jerez e, atualmente, são 15 as grandes bodegas espalhadas pela cidade. De acordo com a Secretaria de Assuntos Econômicos da Província de Cádiz, as bodegas de Jerez respondem pela produção de mais de 70% do total de vinhos, conhaques e brandies de marca espanhola. Jerez promove duas atrações anuais em que a população local (cerca de 200 mil pessoas) chega a dobrar: a Feira Eqüestre e o Grande Prêmio de Motovelocidade - ambas em maio. Mas as bodegas representam foco de interesse turístico permanente, e todos os dia s é possível visitar algumas das principais fábricas do tradicional vinho "jerezano". A Bodega González Byass, a maior da região, recebeu a visita de 213 mil pessoas ao longo do ano passado. "Sem contar a corrida de motos e a feira de cavalos, somos o principal foco de atração turística de Jerez", afirma Cristina Ortega, assistente do departamento de vendas e de visitas à fábrica. E o carro-chefe de tanto interesse tem um nome: Tio Pepe. Líder mundial em vendas no segmento de vinhos finos brancos, o produto foi assim batizado em homenagem ao tio de Manuel María González Angel, que em 1835 chegou a Jerez disposto a tomar parte do incipiente negócio de sherry. Comprou bodegas locais e começou a elaborar e exportar seus próprios vinhos, sendo que ao melhor deles decidiu chamar Tio Pepe. Alguns anos depois, o empreendedor associou-se a seu agente na Inglaterra, Robert Blake Byass, e assim nascia a González Byass. Mais de 160 anos depois, a companhia ainda é familiar - controlada por membros da quarta e quinta gerações dos González - e é proprietária de uma área de 650 hectares de vinhas distribuída ao redor de Jerez de la Frontera. Suas bodegas têm capacidade de armazenar 45 milhões de litros de vinho e brandy, que representam um negócio de mais de 200 milhões de euros (US$ 238,4 milhões) em vendas anuais, com um lucro estimado de algo cerca de 8 milhões de euros (US$ 9,5 milhões) ao ano (a companhia não revela dados financeiros). "E o vinho Tio Pepe, além de líder mundial em seu segmento, tornou-se o produto espanhol mais exportado, chegando a 115 países, inclusive o Brasil", ressalta Cristina. A grande rival local da González Byass é cem anos mais antiga. A Casa Pedro Domecq tem início em 1730, quando o francês Pierre de Domecq Lambeye, que já atuava no negócio vinícola, decide estabelecer-se em Jerez de la Frontera. Quarenta e quatro anos depois o sucessor do negócio, Pedro Domecq Loustau, deu início à produção do fundador, o primeiro conhaque fabricado na Espanha. Em 1941, Pedro Domecq González, na época à frente da empresa, decide fortalecer a distribuição e o consumo de brandy e vinhos espanhóis e escolhe o México como ponte para a expansão internacional. "A incursão mexicana foi tão bem-sucedida que o México tornou-se o principal centro produtor da Casa Pedro Domecq, em que atualmente são fabricadas 41 das 61 marcas comercializadas pela empresa", diz Pedro Santibañez, gerente da bodega em Jerez. Em março de 1994 a família Domecq decide vender a companhia para a britânica Allied Lyons, transação que fez surgir a multinacional Allied Domecq. Pelo recente balanço financeiro relativo ao exercício fiscal terminado em 29 de fevereiro, a Allied Domecq teve um lucro operacional de 337 milhões de libras (US$ 598,3 milhões), 4% superior em relação ao ano fiscal anterior. O faturamento alcançou 1,263 bilhão de libras (US$ 2 242 bilhões), 1% acima do montante contabilizado há 12 meses A companhia é dona de 12 dentre as cem marcas de bebidas mais vendidas no mundo, dentre elas Ballantine´s, Beefeater, Tequila Sauza e Kahlúa. De acordo com o enólogo Pedro Riverte, a qualidade do vinho produzido em Jerez deve-se a um conjunto de fatores que acabaram favorecendo todas as companhias da região. "A combinação entre as condições geográficas favoráveis e uma técnica de envelhecimento do produto, desenvolvida pelos primeiros empreendedores, transformou-se em uma fórmula altamente eficiente", explica. De acordo com Riverte, o clima - chuvoso no outono e primavera, e muito seco no verão - favoreceu o desenvolvimento de cepas de um tipo específico de uva, palomino, que atualmente é a base de 97% dos vinhos da região. "Além disso as terras brancas, que chamamos de ´albarizas´, são capazes de reter a umidade necessária durante o verão e resistem aos mais de 180 dias de sol que costumam os registrar na Andaluzia." Mas o clima favorável e a uva palomino não são tudo. "Aí surge a técnica autenticamente jerezana que faz a diferença e que é responsável pelo sabor característico dos vinhos da região", ressalta o enólogo. A técnica inovadora tem duas características. "Quando a fermentação natural que leva à produção do vinho acontece com um teor alcoólico inferior a 18°, surge a chamada ´flor do vinho´, isto é, uma camada formada por microorganismos que separa o líquido do ar, dentro do barril", explica Riverte, que atribui a isso o aroma característico do vinho de Jerez. "Acima de 18° o processo de envelhecimento é por oxidação com o ar e o resultado não é o mesmo." A outra característica peculiar dos produtos locais é o fato de que todos os vinho de Jerez envelhecem em barris de carvalho americano pelo sistema chamado de ´soleras e criaderas´. "Os vinhos mais antigos são colocados em barris que ficam no chão, e daí vem o nome de ´soleras´, porque ficam perto do solo, explica Riverte. Sobre eles colocam-se os barris com os vinhos mais recentes, formando-se três ou quatro fileiras, no máximo. "Na época de serem vendidos, extrai-se somente 2/3 do volume dos barris mais antigos, que são completados com vinho proveniente de barris da fileira imediatamente acima, e assim por diante", detalha o enólogo. "Desta forma, os vinhos velhos se fortalecem com o contato com produtos mais jovens, e estes amadurecem mais rapidamente com a mescla com produtos mais antigos. É por isso que nunca se sabe exatamente a idade de um vinho jerezano", afirma. "E é também por isso que o vinho da região é único no mundo", conclui Riverte. E tudo começou há mais de 250 anos em uma cidade pequena no sul da Espanha, favorecida pelo clima agradável, um tipo de solo peculiar e uma técnica especial de fermentação e desenvolvimento de vinhos, que levou Jerez de la Frontera a se especializar em um produto que se tornou, mais do que a principal fonte de renda da região, um dos símbolos do país.

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