O governo de Joe Biden completa um ano dominado por impasses em todas as áreas. Alguns, autoinfligidos por erros de cálculo e problemas de estilo do presidente; outros, por contradições intratáveis no Partido Democrata; os restantes, pelo estado deplorável da política americana.
Começando pela crise desencadeada pela concentração de tropas russas na fronteira com a Ucrânia. O secretário de Estado americano, Antony Blinken, saiu na sexta-feira de mãos vazias de mais um encontro com o chanceler russo, Serguei Lavrov. Blinken ofereceu mais uma reunião de cúpula entre Biden e o presidente Vladimir Putin, se os russos assim desejarem. Seria a quarta desde junho.
Toda essa atenção já representa um ganho para Putin, cuja propaganda afirma que ele restaurou o status de superpotência da Rússia, depois da dissolução da União Soviética.
As conversas conferem às supostas preocupações de Putin com a segurança da Rússia uma legitimidade que elas não têm. Os países do Leste Europeu e as três repúblicas do Báltico entraram para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) porque se sentem ameaçados pela Rússia e não porque tenham planos de atacá-la. O mesmo se aplica à Geórgia, invadida pela Rússia em 2008, e à Ucrânia, em 2014, que gostariam de entrar na aliança um dia.
Putin usa a ambivalência como método: concentra mais de 100 mil soldados ao redor da Ucrânia e afirma que não tem planos de atacá-la. Biden acredita na transparência como forma de criar confiança. De cara, já descartou a opção militar como resposta a uma intervenção russa na Ucrânia, e a limitou ao plano econômico. Com essa informação que Biden lhe deu de mão beijada, Putin mantém a iniciativa e chantageia impunemente o Ocidente.
Na frente interna, Biden fez algo parecido. Apresentou o fim das mortes por covid como o único resultado aceitável. No último debate com Donald Trump, acusou: “220 mil americanos mortos. Qualquer um responsável por tantas mortes não deve continuar como presidente dos Estados Unidos”. Hoje, são 860 mil. Quase o triplo de americanos morreu em um ano de seu governo.
Biden também apresentou a aprovação do pacote social e ambiental de US$ 3,5 trilhões como o único resultado aceitável. Com isso, anulou o sucesso notável de ter aprovado outro pacote, de US$ 1,2 trilhão, para infraestrutura.
O mesmo em relação aos dois projetos federais sobre direito ao voto: eram eles ou nada. Os 50 senadores republicanos e 2 democratas moderados optaram então por nada. Se essas propostas fossem fatiadas, algumas partes teriam sido aprovadas. Biden é vítima do maximalismo comum na esquerda, que não valoriza incrementos e mira no impossível.
* É COLUNISTA DO ESTADÃO E ANALISTA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS