03 de janeiro de 2015 | 02h00
Sob certos aspectos, não foi surpreendente a decisão do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, de forçar uma votação fadada ao fracasso envolvendo a questão de um Estado palestino na reunião do Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas na terça-feira e depois enviar um pedido para participar do Tribunal Penal Internacional (TPI).
Aproximando-se dos 80 anos, Abbas deve estar cansado e frustrado com o fracasso de anos de negociações de paz com Israel para realizar o sonho palestino de um Estado independente. Viu sua popularidade e credibilidade despencarem enquanto disputava o apoio do seu povo com o Hamas, grupo militante palestino que prefere lançar foguetes contra Israel em vez de reconhecer a existência do Estado judaico.
"Eles tiveram de adotar medidas significativas para recuperar algo de sua responsabilidade destroçada", disse Nadja Hijab, diretora da Al-Shabaka, rede palestina de políticas públicas, a respeito da equipe de Abbas em entrevista ao Times.
As perspectivas de uma solução de dois Estados se tornam mais sombrias a cada dia, com os políticos israelenses de direita se opondo a um Estado palestino e o governo israelense, liderado pelo premiê Binyamin Netanyahu, mantendo a constante expansão dos assentamentos, dificultando ainda mais a criação de um Estado palestino viável.
Mas é quase certeza que as ações de Abbas vão piorar a situação, trazendo um retrocesso ainda maior para a causa do Estado palestino. Ao fazer sua jogada antes das eleições israelenses, marcadas para 17 de março, Abbas deu aos linhas-duras de Israel nova munição para atacar os palestinos e rejeitar novas negociações de paz.
E ele pode ter desencadeado o processo de colapso da autoridade palestina de autogoverno.
Abbas começou a semana insistindo que o CS aprovasse uma resolução definindo um cronograma para a criação de um Estado palestino, incluindo a retirada gradual das forças israelenses da Cisjordânia até o final de 2017. Após um pesado trabalho de lobby por parte de Israel e Estados Unidos, a resolução recebeu apenas oito dos nove votos necessários para ser aprovada pelo conselho de 15 membros.
O fato é que os EUA, que votaram contra a medida, defendem a criação de um Estado palestino. E a França, que rompeu com os EUA e votou a favor, admitiu ter reservas em relação a alguns dos detalhes.
Na sequência, Abbas agiu rapidamente para dar um passo ainda mais provocador e aderir ao Tribunal Penal Internacional, por meio do qual os palestinos poderiam apresentar acusações contra funcionários do governo israelense como reação à construção de assentamentos e às operações militares.
Embora fosse grande a pressão de seus eleitores para que ele seguisse tal rumo, Abbas sabia que o custo poderia ser altíssimo. "Agressões são cometidas contra nossa terra e nosso país, e o CS nos decepcionou. A quem podemos recorrer?", disse Abbas em seu escritório na cidade de Ramallah, na Cisjordânia.
O Congresso americano há muito ameaça impor sanções à Autoridade Palestina, incluindo a perda de aproximadamente US$ 400 milhões anuais em auxílio, caso houvesse um pedido de adesão ao TPI. Israel pode reter dezenas de milhões de dólares em repasses fiscais, como já fez antes, e existe a possibilidade de agir mais agressivamente na construção de assentamentos em áreas instáveis. Netanyahu também disse que os palestinos podem agora ser processados por apoiar o Hamas.
Ainda não está claro qual pode ser a reação da União Europeia, outra das principais fontes de doações dos palestinos. Embora EUA e Israel desejem castigar a Autoridade Palestina, uma retaliação impensada pode levar ao colapso da entidade, impondo novos e pesados fardos a Israel.
De acordo com os termos assinados entre Abbas e o TPI, os palestinos não poderão apresentar queixas contra Israel por um período de 90 dias. Antes de adotar alguma medida, seria sábio aguardar até o fim das eleições israelenses, quando os eleitores terão a oportunidade de escolher a liderança do país.
É possível que a crise provocada por Abbas traga novas avaliações das concessões que ambos os lados precisam fazer para permitir que seus povos vivam em paz. Mas, levando-se em consideração a história, é difícil manter o otimismo./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
EDITORIAL PUBLICADO NA
QUINTA-FEIRA PELO JORNAL
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