Jogo invertido no Afeganistão

Com a retirada das tropas, EUA passam a depender da ajuda do governo afegão contra as ameaças do Paquistão

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Por David E. Sanger
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Horas após os ataques de 11 de setembro de 2001, o governo Bush deu um ultimato aos líderes paquistaneses: como a guerra iminente no Afeganistão não poderia ser vencida sem a ajuda do Paquistão, Islamabad teria de escolher entre manter sua aliança com o Taleban ou se juntar aos Estados Unidos. Quase dez anos mais tarde, o anúncio de retirada das tropas do Afeganistão feito pelo presidente Barack Obama representa mais um passo na reversão gradual deste cálculo. Uma das limitações para a retirada americana era o reconhecimento de que os EUA dependeriam da ajuda do Afeganistão para lidar com as ameaças do Paquistão. O governo defende que o assassinato de Osama bin Laden, no mês passado, no Paquistão, somado a ataques contra insurgentes, deu aos EUA uma margem de segurança maior para reduzir o número de soldados no Afeganistão. Mas a reação irritada do Paquistão ao ataque também torna mais urgente que os EUA mantenham bases a partir das quais seja possível lançar ataques de forças especiais e aeronaves não tripuladas contra as redes militantes que ainda estão no país; e para garantir que o arsenal nuclear do Paquistão jamais caia em mãos erradas. "O ataque a Abbottabad demonstrou claramente a necessidade de uma base americana para atacar alvos no Paquistão, e a geografia não é complicada: isto precisa ser feito a partir do Afeganistão", disse Bruce Reidel, funcionário aposentado da CIA. Há dois motivos pelos quais os estrategistas americanos esperam negociar com o presidente Hamid Karzai um acordo para manter possivelmente mais de 25 mil soldados no Afeganistão. O primeiro é impedir que o país seja novamente usado como plataforma para o lançamento de ataques contra os EUA. Mas o motivo mais urgente é o Paquistão. "Não nos parece haver uma ameaça transnacional vinda do Afeganistão", disse um funcionário do alto escalão do governo dos EUA. Esta realidade aumenta a pressão sobre os funcionários do governo Obama, que precisam garantir alguma forma de sucesso de longo prazo na guerra no Afeganistão. Quando a maior parte das forças internacionais deixar o país, o Afeganistão pode regredir para a guerra civil. É bem possível que a mensagem captada pelos afegãos no discurso de retirada de Obama seja a de que os americanos estão partindo outra vez - assim como ocorreu depois que a União Soviética desistiu da guerra contra o Afeganistão em 1989. Ao longo da última década, os afegãos ouviram muitas promessas de Washington. O presidente George W. Bush prometeu um Plano Marshall para o Afeganistão; este nunca se materializou. Em 2009 Obama falou na formação de um país moderno. Os resultados foram limitados, na melhor das hipóteses. Representantes do governo insistem que tais esforços continuarão. No ano que vem ainda haverá 68 mil soldados americanos no Afeganistão. Mas, com o passar do tempo, a missão vai exigir um número cada vez menor no país. "Quando pensamos na Al-Qaeda no Afeganistão, estamos falando em 50 ou 75 sujeitos incorporada às unidades de Haqqani (comandante local)", disse na semana passada um funcionário do alto escalão do governo, segundo o qual o foco agora são os insurgentes que ainda estão no Paquistão. "Houve mudança nos critérios de sucesso", disse David Rothkopf, autor de uma obra sobre a história do Conselho de Segurança Nacional. "Há apenas alguns anos debatemos sobre quanto tempo seria necessário para treinar o exército afegão e reconstruir escolas e tribunais. Ninguém fala sobre isto agora. Os cronograma é mais longo e os custos são mais altos do que a situação política doméstica parece ser capaz de suportar." / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL É COLUNISTA E ESCRITOR

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