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Jogos Gays de Hong Kong enfrentam ataques e China visa a grupos LGBT

Controvérsia mostra a pressão dupla enfrentada pelas autoridades de Hong Kong para manter a posição global da cidade e, ao mesmo tempo, realizar uma ampla reengenharia social exigida por Pequim

Por Theodora Yu
Atualização:

HONG KONG - O anúncio de que Hong Kong seria sede dos 11º Jogos Gays, em 2018, foi um reforço significativo para o status de cosmopolita da cidade, vista como um ponto brilhante para causas progressistas na Ásia. 

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Agora, os ataques de legisladores locais alinhados a Pequim aos Jogos Gays revelam discriminação no centro financeiro, onde o espaço para a promoção de ideias como igualdade e diversidade encolheu sob o controle rígido da China. Em meio a uma repressão permitida por uma Lei de Segurança Nacional introduzida no ano passado, os ativistas de Hong Kong que normalmente reagiriam a tais ataques estão atrás das grades ou no exílio.

Liderando a cruzada está Junius Ho, um legislador pró-Pequim que chamou os Jogos Gays de “vergonhosos”, um “lobo em pele de cordeiro” que poderia violar a lei de segurança. Outra legisladora, Priscilla Leung, disse que os ativistas poderiam usar o evento esportivo e cultural para promover causas políticas. Peter Shiu, membro de um partido de centro-direita, disse que Hong Kong pode “tolerar”, mas não promover a homossexualidade.

Corredores participam da maratona de estreia dos Jogos Gay de Paris, em 2018 Foto: Regis Duvignau/REUTERS

O governo de Hong Kong, que responde a Pequim, disse que não tolera os ataques. A presidente-executiva, Carrie Lam, disse que os comentários de Ho e outros "vão dividir desnecessariamente a sociedade" e prometeu que sua administração continuaria a alugar locais para os organizadores.

Ainda assim, a controvérsia mostra a pressão dupla enfrentada pelas autoridades de Hong Kong para manter a posição global da cidade e, ao mesmo tempo, realizar uma ampla reengenharia social exigida por Pequim, incluindo o fechamento de vias de expressão para grupos da sociedade civil.

Na semana passada, as autoridades de Hong Kong disseram que poderiam proibir retroativamente os filmes que consideram uma ameaça ao seu conceito de segurança nacional. Uma importante livraria independente disse no fim de semana que estava fechando por causa do clima político. Taiwan, o único lugar na Ásia que legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, retirou-se dos Jogos Gays por temor de que as autoridades possam considerar que seus atletas estão violando a lei de segurança caso agitem a bandeira taiwanesa em Hong Kong.

Até o ano passado, quando o campo pró-democracia ainda existia na legislatura de Hong Kong, mais da metade dos legisladores expressou apoio às questões LGBT, disse Yeo Wai-wai, membro do grupo sem fins lucrativos Rainbow Action. Agora, com a oposição virtualmente eliminada, Yeo disse que o espaço para a advocacy LGBT “encolheu a quase nada” e seria “extremamente difícil” promulgar direitos maiores para a comunidade.

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Observando a perseguição a ativistas LGBT, Yamini Mishra, diretor regional da Anistia Internacional para a Ásia-Pacífico, disse que “o direito à liberdade de expressão é indispensável quando se trata de defender a igualdade”.

Hong Kong ganhou o direito de sediar os Jogos Gays de 2022 contra Washington, nos EUA, e Guadalajara, no México. Os organizadores estimaram um lucro de U$128 milhões, com cerca de 12 mil participantes e 75 mil espectadores.

Os ataques ao evento começaram em junho, durante uma sessão legislativa, quando Ho disse que os Jogos renderiam “dinheiro sujo”. Ele aumentou a aposta na semana passada, quando citou o Artigo 23 da Lei de Segurança Nacional da China, que afirma que o país deve "se proteger contra o impacto da cultura prejudicial". Anteriormente, Ho, que não respondeu aos pedidos de comentário feitos pela reportagem, ligou para um programa de TV que apresentava relações homossexuais como “maconha revestida de açúcar”.

Dennis Philipse, fundador e co-presidente dos Jogos Gays de 2022, disse que a legislatura de Hong Kong é “um lugar para discutir coisas - todos podem ter suas opiniões”.

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Questionado se ele está preocupado com o cancelamento do evento, Philipse disse que espera que a mensagem dos Jogos de "unidade na diversidade" possa "unir as pessoas para resistir a quaisquer pressões políticas".

O episódio surge no momento em que o Partido Comunista da China, em um contexto de crescente nacionalismo e sentimento antiocidental, reprime grupos que considera influentes demais, de empresas de tecnologia a fãs-clubes online e defensores dos direitos das minorias sexuais. As autoridades do continente às vezes consideram a homossexualidade uma influência negativa estrangeira, e o espaço limitado que se abriu para ativistas LGBT nos últimos anos está sendo fechado.

“O movimento LGBT é parte de um movimento global que atravessa diferentes países e se conecta com pessoas ao redor do mundo, indicando um elemento estrangeiro que o governo do continente poderia ver como outra ameaça”, disse Suen Yiu-tung, professora de estudos de gênero no Universidade Chinesa de Hong Kong.

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Em julho, o aplicativo de mensagens chinês WeChat bloqueou contas de clubes de estudantes LGBT e organizações universitárias na China. Um mês depois, Douyin, a versão chinesa do TikTok, baniu um videoblogger após receber reclamações sobre seu comportamento “feminino”. Um documento vazado relatado pela SupChina, um meio de notícias com sede em Nova York que se concentra na China, revelou separadamente que a Universidade de Xangai tem coletado nomes de estudantes LGBT para um propósito pouco claro.

Aqueles que estudam os direitos LGBT dizem que a situação em Hong Kong não é um espelho exato das dificuldades enfrentadas por esses grupos no continente, mas que o território tem sido passivo na defesa dos direitos da comunidade. Em julho, Lam disse que Hong Kong "não tem um consenso" sobre dar status legal às minorias sexuais ou outros direitos e chamou isso de "uma questão muito, muito controversa". Avanços na legislação LGBT foram conquistados por meio de decisões judiciais, o que significa que o governo está agindo “reativamente” às revisões do judiciário, disse Suen. (Hong Kong não permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas fornece reconhecimento limitado de uniões LGBT realizadas em outros lugares em questões como impostos e vistos de cônjuge para residentes estrangeiros.)

Alguns que lutaram por esses direitos, incluindo o ex-legislador Jimmy Sham, estão na prisão cumprindo pena ou aguardando julgamento por supostos crimes relacionados ao seu ativismo pró-democracia.

No entanto, as pesquisas mostram que as opiniões de Sham estão mais de acordo com as da população de Hong Kong. Uma pesquisa publicada em janeiro de 2020, o último indicador disponível de tais pontos de vista, mostrou que a oposição aos direitos legais para pessoas LGBT atingiu um mínimo histórico. Um remake local de um programa japonês com relacionamentos gays, "Ossan’s Love", vai ao ar em um grande canal de televisão e foi aclamado pela crítica.

As empresas também têm sido mais explícitas sobre o apoio aos direitos LGBT, mudando os logotipos para as cores do arco-íris durante o Mês do Orgulho. Após o comentário de Ho na semana passada, um ônibus trazia um anúncio da empresa Expan que dizia: “As minorias sexuais não são um vírus; preconceito é. ”

Apesar dos contratempos e do fato de que o campo pró-Pequim é a única voz real na legislatura, Yeo disse que ela e outros continuarão pressionando pelo progresso nos tribunais.

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