Johnson avança sobre classe operária e redutos da esquerda britânica

Premiê conservador faz campanha em pátio de fábrica, corre atrás de frango em fazenda, segura peixe na feira e conquista voto de regiões do Reino Unido que sempre foram fiéis ao Partido Trabalhista, construindo maioria confortável no Parlamento

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Por Redação
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LONDRES - Blyth Valley, comunidade de mineradores no nordeste da Inglaterra, caiu nas mãos do Partido Conservador pouco antes da meia-noite. Wrexham, reduto trabalhista por mais de 80 anos, elegeu um deputado conservador já na madrugada de sexta-feira. Great Grimsby, um porto decadente no norte do país, que votava na esquerda desde a 2.ª Guerra, também sucumbiu à onda azul de Boris Johnson. Quando amanheceu, estava evidente que a política britânica havia mudado.

Boris Johnson no mercado de Grimsby; primeiro-ministro investiu em redutos históricos da esquerda para tirar votos de suas bases tradicionais desde os anos 90 Foto: Ben Stansall / Reuters

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Claire Ainsley, analista da Joseph Rowntree Foundation, diz que há anos os trabalhistas vêm perdendo o voto da classe operária britânica. “Isso vem acontecendo pelo menos desde 1990. O fenômeno desta eleição é que o declínio se tornou mais acentuado e os conservadores estão conseguindo afastá-los do Partido Trabalhista”, disse Claire ao jornal The Sun.

Nas últimas semanas de campanha, Johnson investiu em redutos históricos da esquerda em Midlands e no norte da Inglaterra, prometendo defender o sistema de saúde público e cortar impostos para assalariados de baixa renda. Deu certo. Segundo o instituto YouGov, a esquerda perdeu uma boa parte da classe operária desde a última eleição, em 2017 – dos 44% que votaram nos trabalhistas, apenas 30% repetiram o voto agora.

A fuga dos eleitores já podia ser sentida no plebiscito do Brexit, em 2016, quando 62% da classe operária votou pela saída do Reino Unido da União Europeia. A decadência econômica e a sensação de terem sido abandonados pelo Estado se encaixaram no discurso populista de Johnson, que durante a reta final da campanha, nas últimas duas semanas, foi visto pelo interior do país em fábricas de pneus, cercando frango, preparando tortas, segurando peixe no mercado de Grimsby e vendendo doce na feira.

Do outro lado, Johnson foi ajudado por um Partido Trabalhista cada vez mais sem identidade com os trabalhadores. Um estudo recente da University College London mostrou que, nos anos 20, sete a cada dez candidatos trabalhistas vinham da classe operária. Hoje, apenas um vem da base.

A posição ambígua do líder trabalhista, Jeremy Corbyn, que não definiu uma posição clara sobre o Brexit, também foi fatal para a esquerda no Reino Unido. “O Partido Trabalhista de hoje não se parece em nada com o trabalhismo que a maioria dos operários conheceu”, afirmou Esther McVey, deputada conservadora.

A opinião de McVey é compartilhada por um adversário histórico, Alan Johnson, ex-secretário do Interior do governo trabalhista de Gordon Brown. “Corbyn foi um desastre logo de cara. Todo mundo sabia que ele não conseguiria conduzir a classe operária nem para fora de uma sacola de papel”, disse o ex-secretário durante um programa de debates na ITV, após a eleição de quinta-feira.

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“O partido precisa escutar. Senão, vai morrer”, disse Ian Murray, único deputado trabalhista eleito na Escócia, que pediu a saída de Corbyn. “Para o bem do país, não só o líder tem de ir embora. A ideologia também.”

Esta semana, o Partido Conservador saiu das urnas com uma maioria confortável de 39 deputados. A bancada cresceu 66 cadeiras, chegando a 365 – o melhor resultado do partido desde Margaret Thatcher, em 1987. Os trabalhistas tiveram o pior desempenho desde 1935, perdendo 42 deputados e com uma bancada reduzida a 203.

Com poder no Parlamento, Boris Johnson terá agora caminho livre para aprovar sua agenda política, incluindo restrições de imigração, um novo orçamento e a conclusão de tratados de livre-comércio, especialmente com EUA, Austrália, Nova Zelândia e Japão, que substituiriam as perdas com o mercado europeu.

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Seu governo, no entanto, não pode perder tempo. O Reino Unido já enfrenta a saída de empresas por causa do Brexit. Elas buscaram refúgio na Europa, especialmente em Paris, Amsterdã, Frankfurt e Dublin. Segundo dados oficiais, até abril, os bancos já haviam retirado do país US$ 1 trilhão e as companhias de seguro e de gestão de ativos haviam transferido US$ 130 bilhões. 

No longo prazo, conciliar os interesses do mercado financeiro e da classe operária pode se tornar uma estratégia incompatível. Segundo muitos analistas, os conservadores sabem que o voto dos trabalhadores tem prazo de validade. “Johnson tem duas tarefas agora. Primeiro, conseguir um bom acordo comercial com a União Europeia. Depois, aprovar suas ideias no Parlamento”, afirmou Jill Rutter, do Institute for Government, que monitora as ações do governo. “Mas ele tem de fazer alguma coisa logo.” / CÉLIA FROUFE, COM AGÊNCIAS

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