Jornais destacam fracasso da diplomacia

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Por Agencia Estado
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Em resposta ao pronunciamento desta segunda-feira do presidente americano George W. Bush, dando um prazo de 48 horas para que o líder iraquiano Sadam Hussein deixe o país se não quiser enfrentar uma guerra, a imprensa européia e norte-americana destaca hoje o fracasso da diplomacia e questiona a legitimidade da guerra que se aproxima. Para a crise diplomática há duas versões. A imprensa francesa, por exemplo, questiona sobretudo a legitimidade do previsível ataque dos Estados Unidos ao Iraque e debruça-se sobre o futuro papel das Nações Unidas e da União Europeia. "Formidável fracasso" O editorial de hoje do Le Monde não economiza palavras para explicar os motivos dessa derrota diplomática: "a guerra dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha contra o Iraque, sem o apoio da ONU [Organização das Nações Unidas], num gesto completamente unilateral, manifesta um formidável fracasso diplomático para o governo Bush". Ainda de acordo com o Monde, os americanos não conseguiram, dentro do Conselho de Segurança (CS), uma maioria "política" que justificasse o ataque. Sem conseguir os pelo menos 9 votos que desejavam, os Estados Unidos apenas demonstraram que poucos países partilham de sua visão. Nos termos do diário francês: "Washington estava enganada com relação à sua capacidade de pressionar os ´pequenos´ países-membros do CS". Para o jornal, "o efeito [do pronunciamento de George W. Bush] foi mais negativo que positivo, marcando uma derrota político-diplomática patente, qualquer que seja o resultado dessa aventura infeliz". "A verdade obriga a que seja dito que, até ao último momento da sua escolha, (os Estados Unidos) não nos convenceram da legitimidade de um conflito, neste momento da nossa história e pelas razões avançadas", escreve hoje o diário católico La Croix. Bode expiatório Sobre as críticas de Washington e Londres a Paris, o jornal popular France Soir escreve hoje que "quando os primeiros soldados ocidentais caírem (...), nem a ONU, nem a França poderão servir de bode expiatório". Evocando as conseqüências da crise iraquiana para a Europa, o Libération escreve: "O efeito de sopro sobre a integração do Velho Continente ultrapassa todas as esperanças dos ideólogos da hegemonia" quando "a União Européia, enquanto potência política, continua a não existir". Já o jornal econômico La Tribune critica a posição francesa diante do Conselho de Segurança. A França, "não soube, como a China, manter até ao fim o mistério sobre as suas intenções" e "arrisca agora pagar cara a sua promessa de veto, brandida sem necessidade absoluta". Ele já estava decidido Na Alemanha, os principais jornais preferiram constatar o fracasso da diplomacia mas também do próprio George W. Bush, traduzido na retirada de última hora do projeto de resolução. O Berliner Zeitung constata hoje que "nos últimos quatro meses, a diplomacia nunca passou de uma frágil oportunidade, apesar das intensas discussões no Conselho de Segurança e das dispendiosas inspeções. Não estava Washington decidido desde o início a uma guerra?". O diário conservador Frankfurter Allgemeine Zeitung sublinha que a retirada do projeto de resolução foi "a confissão de um fracasso". "Foi um momento apreciado por todos aqueles que são partidários da ação multilateral e que agora vão ter de suportar o solo dos Estados Unidos, flanqueados por dois ou três aliados". Nesse sentido, segundo o Berliner Zeitung "os limites novamente atingidos pela organização mundial não são argumento para trair o grande desígnio da ONU que é impedir a guerra. De resto, a administração Bush, que estigmatiza para já as capacidades de decisão e de ação da organização, vai precisar dela mais tarde". Mas o Frankfurter Allgemeine Zeitung responsabiliza também o presidente francês, Jacques Chirac, pela "avaria diplomática". "Podemos sempre discutir se a ONU sairia mais fragilizada se os Estados Unidos tivessem ignorado um eventual veto. Talvez Paris e Washington tenham ficado aliviadas por terem conseguido evitar um confronto direto. Mas isso não é uma verdadeira consolação". Num editorial intitulado "A derrota de Bush", o influente diário de centro-esquerda Sueddeutsche Zeitung aponta "a irritação e a frustração crescentes de uma potência que está convencida de que tem razão e habituada a que lhe dêem razão. (...) Nada foi suficiente para estilhaçar esta frente de opositores. George W. Bush pode dar- lhe a volta que quiser: para ele e para os Estados Unidos é uma derrota". "Contra o direito internacional" Na Grã-Bretanha, os jornais de esquerda criticam hoje fortemente a decisão de Washington e Londres de avançarem sem uma resolução das Nações Unidas, considerando que a guerra foi de fato declarada segunda-feira à noite, enquanto os de direita apoiam, sem margem para dúvidas, a posição de Blair e de Bush. O tablóide Daily Mirror declara-se hoje "horrorizado" por iraquianos inocentes estarem prestes a ser mortos "ilegalmente" numa ação militar que vai "contra a vontade da ONU" e, portanto, contra o Direito internacional. O jornal acusa ainda George W. Bush de "gostar de sangue" e de dirigir um governo "terrivelmente à direita" e também ataca Tony Blair: "O que nunca previmos foi que o primeiro-ministro britânico, um trabalhista, aprovasse esta loucura", escreve. "Não perdoaremos facilmente". Legitimidade contestável Para o Independent, "a discussão acabou": "Agora, o mundo tem de enfrentar a realidade da guerra", escreve, considerando que o conflito que se avizinha tem uma "legitimidade contestável" e "constitui um fracasso de proporções potencialmente catastróficas, cujos efeitos perversos atingirão em primeiro lugar a população iraquiana". "A diplomacia morreu, agora é vez da guerra", titula o Guardian, também de esquerda. "O discurso à nação do presidente Bush equivale a uma declaração de guerra", sublinha. Do lado da direita, o Daily Express escreve hoje que a ONU se tornou uma "instituição caduca" que "fracassou lamentavelmente" nesta questão, enquanto o Sun sublinha que o embaixador britânico nas Nações Unidas, Jeremy Greenstock, declarou ele próprio a guerra ao afirmar que Washington e Londres "se reservam o direito de adotar as suas próprias medidas para obter o desarmamento do Iraque". "Acólitos de Bush" Na Espanha, os jornais de hoje refletem claramente uma divisão quanto à legitimidade de uma intervenção militar contra o Iraque. O influente El Pais escreve no seu editorial de hoje que "George W. Bush abriu caminho à guerra, numa evidente violação da legalidade internacional". "Bush e os seus acólitos, Blair e Aznar, fracassaram na tentativa de convencer a comunidade internacional em nome da qual pretendem estar a agir", escreve o jornal, que lamenta o fato de "pela primeira vez, um governo da Espanha democrática apoia uma guerra que não foi autorizada por nenhuma organização internacional". Para o El Mundo, por seu lado, a retirada do projeto de resolução foi, "mais do que uma falta de cortesia de Bush, Blair e Aznar", "a constatação de uma derrota, ante a clara maioria contra a guerra que se formou no Conselho de Segurança". O jornal conservador ABC afirma, pelo contrário, que a retirada da resolução resultou de um "fracasso coletivo" e defende que em "estrito rigor jurídico" a resolução 1441 "é suficiente para dar cobertura legal à intervenção militar". ONU afastada Na Itália, os dois principais diários romanos - La Repubblica e Corriere della Sera - afirmam hoje que "a primeira vítima" da anunciada guerra é a diplomacia internacional. "A ONU foi afastada. Quando se tornou claro que não servia para conferir legitimidade a uma guerra, os Estados Unidos declararam-na fora de jogo. Não é a primeira vez, nem a última. Mas o que é feito da Otan e da União Europeia? Afastadas antes mesmo do primeiro tiro. Um panorama nunca visto e também nunca tão preocupante", escreve o La Repubblica. No seu editorial, o Corriere della Sera escreve que "a diplomacia rendeu-se e o Conselho de Segurança está agora fechado devido à guerra". Do outro lado do Atlântico, os grandes jornais norte-americanos não questionam a necessidade de desarmar o Iraque, mas criticam a forma como George W. Bush procedeu. O New York Times critica Bush por ter planeado a guerra "sem o aval da ONU nem a participação dos seus aliados tradicionais". Saddam Hussein tem de ser desarmado mas, para este jornal, "o problema é a forma errada que a administração seguiu para o fazer": "objetivos que variam, um calendário cada vez mais arbitrário, uma rejeição dos compromissos diplomáticos e uma incapacidade para convencer a maior parte do mundo (da existência) de um perigo iminente". Para o Washington Post, que acusa a França e a Rússia de terem impedido o Conselho de Segurança da ONU de agir eficazmente, critica no entanto Bush por partir para uma guerra "com menos apoio do que uma causa destas poderia reunir" e por seguir "um calendário demasiado acelerado, uma retórica excessiva e uma diplomacia fria".

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