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Jornalistas palestinos e os limites da liberdade

Primavera Árabe fez com que muitos profissionais testassem o governo ao publicar críticas e desafiar as autoridades de Ramallah

Por Isabel Kershner
Atualização:

Yousef Shayeb, de 37 anos, jornalista palestino de Ramallah, publicou um artigo num jornal jordaniano este ano acusando autoridades da missão diplomática palestina em Paris de corrupção e espionagem. Em entrevista, na semana passada, ele afirmou que acreditava que as pessoas o agradeceriam pela divulgação. No entanto, passou oito dias na prisão por ordem da Autoridade Palestina. Jamal Abu Raihan, blogueiro palestino, ficou preso por três semanas depois de ter postado uma coluna satírica em que o presidente palestino Mahmoud Abbas aparecia como asno numa página do Facebook que levava o título: "As pessoas querem o fim da corrupção". E, nos últimos meses, sob ordens do procurador-geral, as autoridades tentaram bloquear o acesso dos palestinos a inúmeros sites que, no seu entender, apoiam Mohamed Dahlan, ex-chefe da segurança de Gaza e hoje rival de Abbas. Como os jornalistas e ativistas palestinos, impregnados do espírito da Primavera Árabe, vêm se tornando mais ousados e entusiasmados com as possibilidades da nova mídia e das redes sociais, a primeira reação de alguns membros da Autoridade Palestina é reprimi-los. A sociedade palestina, muito conservadora, tradicionalmente é atendida por uma imprensa escrita obediente, mas a revolução das comunicações mudou a situação. Hoje, autoridades, jornalistas e blogueiros lutam para definir os princípios da liberdade de expressão e seus limites e para fazer uma distinção entre a crítica legítima e a difamação. "Sabemos que temos um poder construtivo", afirmou Nabhan Khraishi, assessor de comunicações do Sindicato Palestino dos Jornalistas. "Por outro lado, temos um poder destrutivo que pode ser catastrófico." No entanto, segundo ele, mesmo quando jornalista cometem erros, eles não devem ser presos. "Estamos trabalhando para ampliar os limites da liberdade de expressão." Abbas, aparentemente respondendo às críticas internacionais à repressão de jornalistas, emitiu comunicado ordenando a todas as agências da Autoridade Palestina para que respeitem a liberdade de opinião e de expressão como um "direito sagrado" respaldado na lei palestina. Ele instruiu a procuradoria a suspender a proibição dos sites, exortando a imprensa escrita a fornecer uma cobertura objetiva e honesta. O sindicato dos jornalistas deve manter conversações com o procurador-geral e outras autoridades sobre a detenção de jornalistas e possíveis emendas à lei que rege as comunicações e a imprensa, datada de 1995, embora muitas das prisões tenham sido feitas com base numa lei jordaniana de 1960. Em meio ao alvoroço, Mashhour Abudaka, ministro das Comunicações da Autoridade Palestina, renunciou, alegando razões pessoais. Algumas pessoas dizem que ele se demitiu por indignação. Há cerca de dois meses, um morador da cidade de Salfit, na Cisjordânia, insultou Abudaka no Facebook e acusou-o de corrupção. O ex-ministro entrou com uma queixa junto ao procurador-geral para defender a imposição de alguns limites, pretendendo encontrar seu acusador no tribunal. Abudaka disse que soube mais tarde que o homem ficou preso por duas semanas. "Telefonei para o gabinete do procurador-geral em Salfit e disse que não era essa a minha intenção", afirmou. "Duas semanas de prisão por um crime tão sem importância? Eu apenas queria esclarecer as coisas. Lamento pelo sujeito." Abudaka também condenou o bloqueio de sites, que teve início há mais de um ano. "De qualquer maneira, com os provedores de internet israelenses cobrindo grande parte da Cisjordânia, é impossível bloquear qualquer site completamente, então, por que nos darmos a imagem de uma ditadura?", questionou. Segundo os palestinos, não se sabe claramente de onde o procurador-geral recebeu as ordens, embora, de modo geral, ele responda ao presidente. Sabri Saidam, assessor de comunicações da presidência, não quis ser entrevistado, mas em declaração feita à Wafa, agência oficial de notícias palestina, declarou que o bloqueio dos sites era errado e impraticável. O procurador-geral, Ahmed al-Mghani, disse ter sido necessário bloquear os sites por razões de segurança. Em entrevista a uma emissora de rádio de Ramallah, ele defendeu as detenções feitas recentemente. "Nós da procuradoria-geral não perseguimos pessoas por causa de suas opiniões, sejam blogueiros ou jornalistas, mas quando alguém vem se queixar de que foi difamado e prejudicado pela acusação, temos de aplicar a lei. Do contrário, como proteger a sociedade?" Apesar de Shayeb, que escreveu o artigo acusando a missão diplomática palestina em Paris de corrupção, ser o primeiro jornalista preso pela Autoridade Palestina por algo que escreveu, muitas notícias surgiram na Cisjordânia sobre outras pessoas que foram interrogadas pelos serviços de segurança e ameaçadas de prisão. No Facebook, os críticos estão tentando contornar as regras. Tareq Khamees, de 24 anos, jornalista, disse que foi detido para interrogatório no mês passado por agentes da segurança preventiva, que apreenderam seu laptop pela simples razão de ele ter postado um comentário apoiando outros blogueiros e jornalistas presos. Ele foi libertado quatro horas depois porque 50 colegas realizaram uma manifestação em Ramallah protestando contra sua detenção. Shayeb foi solto mediante fiança, mas está sendo processado pelo ministro do Exterior palestino e pelo embaixador palestino na França. Até agora, ele se recusou a revelar suas fontes às autoridades, mas afirmou que oito advogados já se ofereceram para defendê-lo. "Quando comparecer ao tribunal, todos saberão quem está dizendo a verdade e quem está mentindo", disse. Muitos, contudo, têm pouca confiança em um sistema legal caótico. "Tenho plena convicção de que não temos um Judiciário independente", disse Khraishi, do sindicato dos jornalistas. "Você pode escrever o que estou dizendo, mas nenhum jornal palestino publicará isso". / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

* ISABEL KERSHNER É JORNALISTA

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