Jornalistas são postos à prova no Afeganistão

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Por Agencia Estado
Atualização:

A animadora notícia dos primeiros recuos do Taleban foi obscurecida na manhã desta segunda-feira pelas três primeiras mortes de jornalistas no Afeganistão - dois franceses (RFI e RTL) e um alemão (Stern). Eles estavam num tanque da Aliança do Norte, domingo à noite, quando caíram em uma emboscada e foram abatidos pelo Taleban. Outros jornalistas, encarapitados sobre esse mesmo tanque, nada sofreram. Mais uma vez, a profissão de jornalista é duramente atingida. Nos pontos sangrentos do globo, repórteres (inclusive muitas mulheres, cuja coragem é extraordinária) pagam sua coragem com a morte. Esse pesado tributo permite relativizar as críticas estúpidas tantas vezes endereçadas, na maior parte dos países, contra os jornalistas, que são recriminados por seu "sensacionalismo", seu espírito muito crítico, a acrimônia com que denunciam as incúrias, a malversação, a corrupção, a demagogia. A essas críticas respondem os jornalistas massacrados que há 50 anos vêm balizando a história - no Vietnã, na África negra e, recentemente, no Kosovo, na Bósnia, na Croácia. Sem falar na Chechênia. Além disso, é preciso somar aos jornalistas mortos aqueles que foram tomados como reféns pelos terroristas na Colômbia, nas Filipinas, no Irã, etc... Às vezes, esses prisioneiros ficaram detidos durante meses, em condições abomináveis - escuridão absoluta, silêncio, solidão, sevícias. Diversos jornalistas franceses foram submetidos a essa provação. Alguns deles apresentam seqüelas psíquicas irreversíveis. Todavia, se a emoção e as homenagens são unânimes, há os que deploram a inconsciência dos jornalistas. O raciocínio dessas pessoas é o seguinte: que um "médico do mundo" corra riscos insensatos, é compreensível. Eles se expõem para tratar dos feridos, dos doentes, ou então para proteger as populações. Mas o jornalista não presta socorro a ninguém. Um debate lancinante gira em torno desses temas: afinal de contas, dizem alguns, se não houvesse jornalistas no front, isso faria diferença? A guerra seguiria seu curso da mesma forma. Logo, os jornalistas não deveriam se imiscuir nesses dramas. O que responder, senão o seguinte? Imaginemos que nenhum jornalista inglês, russo ou francês (fotógrafos ou jornalistas) tivesse tido a audácia de ir à Chechênia: as únicas informações que teríamos a respeito desse horror seriam os comunicados de Moscou. Em outras palavras, não saberíamos absolutamente nada. E os soldados russos continuariam a massacrar serenamente os homens, as mulheres ou as crianças chechenas. Examinemos outro fato menos recente: se jornalistas tivessem podido testemunhar sobre os campos de morte do mar Branco, ao norte da Sibéria, provavelmente a tomada de consciência da nocividade do "stalinismo" teria sido mais rápida, mais universal. Tomemos, por fim, um exemplo extremo: os campos nazistas, aqueles fornos onde seis milhões de judeus foram queimados, nenhum jornalista pôde vê-los e expô-los aos olhos do mundo, a não ser por notícias esparsas ou rumores: e Hitler pôde realizar sua tarefa hedionda, tranqüilamente, até 1942, é o que parece. O que concluir disso? Se os jornalistas não acompanhassem as guerras ao risco de sua própria vida, essas barbaridades se perpetuariam sem que ninguém soubesse, e os algozes poderiam continuar a realizar seus crimes protegidos pelo silêncio. Leia o especial

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