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José Bové: o "Asterix" diante da globalização

Por Agencia Estado
Atualização:

A principal genialidade de José Bové é sua cabeça. Ela é tão perfeita, tão bem adaptada a seu papel de líder e agitador camponês, que deve ter sido preparada com cuidado, desde o ventre de sua mãe, inclusive o cachimbo, eternamente no canto da boca, o bigode, o sorriso gentil, astucioso e pretensioso, a lentidão camponesa dos movimentos. Essa cabeça faz maravilhas. Sobretudo no exterior, de tal modo que José Bové corresponde à imagem mítica que se faz dos gauleses, tanto em Londres quanto em Los Angeles ou no Rio de Janeiro. Como, além disso, Bové é um camponês de verdade criador de cabras da região sudoeste da França, ele foi inteiramente designado para personificar o eterno camponês desse país exageradamente "camponês" que é a França. Assim é compreensível porque ele faz tanto sucesso quando vai ao exterior: sua primeira vitória foi em Seattle, no momento da reunião barulhenta da OMC em favor da globalização. Naquele dia, Bové interpretou magnificamente seu papel: o pequeno camponês francês, "cabeçudo" e meio bricalhão, combativo, o comedor de queijo e de um bom pão, engraçado, simpático e intratável. Uma "fábula de La Fontaine" só para ele, para José Bové! Ou então um "Asterix, o gaulês" diante das terríveis legiões dos romanos e das hordas da "globalização". Onde se mede melhor ainda seu talento é que José Bové, embora seja um verdadeiro camponês, autêntico (e não um desses "intelectuais de 1968" meio hippies, adeptos da volta ao campo), é também um intelectual sério. Seu pai é um grande pesquisador na área de medicina, na faculdade de Bordeaux. Ele fez bons cursos. Estudou também na Universidade americana, o que lhe permitiu discutir, em Seattle, com os jornalistas americanos que o aprovaram com entusiasmo. E, além dessa cultura intelectual, tem uma forte formação política. Aos 20 anos, em 1972, ele é "rebelde". Recusa-se a prestar o serviço militar. Em seguida, milita em organizações de esquerda, o que, sem dúvida, explica o instinto "teatral" que demonstra pelas ações extraordinárias: em Seattle, deu início à sua carreira internacional. Em Milhau, no sul da França, saqueou um McDonald´s e, no final, um belo processo do qual, obviamente, saiu com todas as honras. E ontem, Porto Alegre contra Davos. Não podia ser melhor. Esse gênio da mídia não deve ocultar sua ação permanente, real de sindicalista. Também neste caso, as raízes são antigas. Suas primeiras ações conhecidas remontam a 1974, numa época em que as fileiras "esquerdistas" (após 1968) conduziram lutas muito duras em Larzac, bela região montanhosa (Maciço central), onde o exército queria instalar um imenso campo militar. Contra esse projeto, um grupo de apaixonados pela montanha, ecologistas, esquerditas fez manifestações durante meses, obrigando o exército a renunciar a seu projeto (hoje, é em Larzac que Bové tem sua fazenda). A Confederação camponesa começou um pouco mais tarde. Ele a fundou em 1987. E, mesmo que ela ainda seja bem menos importante que o sindicato tradicional Federação Nacional dos Sindicatos dos Agricultores (FNSEA) tem muita influência. Na verdade, desde o início, essa confederação se opõe à lógica "produtivista" que preconizam tanto a União Européia e a Bolsa quanto o sindicalismo da FNSEA, ou seja, a lógica das enormes explorações agrícolas industrializadas da bacia parisiense, da Bretanha, da Normandia. José Bové sempre defendeu uma agricultura individual, que respeite equilíbrio naturais, modesta e melhor adaptada a pequenas explorações (por exemplo, na montanha ou no sul da França), em vez dessas imensas terras com trigo ou gado pertencente a empresas que visam apenas ao lucro em detrimento da qualidade. Ora, somos obrigados a constatar que os desastres cada vez maiores - vaca louca, alimentos duvidosos, nocivos e sem sabor - dão muita razão à luta, meio caótica, em ziguezague e confusa, mas corajosa e, às vezes, inspirada que José Bové conduziu, desde o campo militar de Larzac até Seattle e em Porto Alegre.

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