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Jovens negros vão à rua contra Trump, mas relutam em ir às urnas por Biden

Projeto da American University que monitora intenção de voto em seis Estados-pêndulo com expressiva população negra mostra que apenas 29% dos jovens negros com idades entre 18 e 29 anos pretendem ir às urnas e 47% desejam votar no democrata

Foto do author Beatriz Bulla
Por Beatriz Bulla ,  CORRESPONDENTE e WASHINGTON
Atualização:

Stacey Young entrou em um voo de cinco horas de Los Angeles a Washington na quinta-feira para participar da marcha contra o racismo em homenagem a Martin Luther King no dia seguinte. Por “dever cívico”, protestar apenas na Califórnia não era o suficiente, disse. Young é parte dos milhares que foram às ruas na sexta-feira e não aceitam a mensagem da convenção republicana de que os Estados Unidos não são um país racista. Mas ela ainda não está convencida a votar no democrata Joe Biden.

Yolanda Renee King, neta de Martin Luther King, discursa durante a manifestação de sexta-feira em Washington contra a desigualdade racial e a violência policial Foto: Jonathan Ernst/Pool via AP

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Os jovens negros são maioria nos protestos antirracismo, que têm uma forte mensagem anti-Trump. Biden, no entanto, ainda não conquistou o voto deles. O Swing Black Voter Project, um projeto da American University que monitora intenção de voto em seis Estados-pêndulo com expressiva população negra, mostrou que Biden está longe de ter garantia do apoio do eleitorado jovem negro. A pesquisa aponta que 47% dos jovens negros entre 18 e 29 anos pretendem votar em Biden. A proporção sobe para 70% quando a pergunta é feita a eleitores entre 30 e 59 anos e pula para 86% entre eleitores com mais de 60 anos.

As respostas foram coletadas na primeira semana de julho, depois dos protestos que ocorreram em mais de 150 cidades americanas contra a violência policial contra negros. Organizadores dos protestos e representantes da campanha democrata têm pedido que os manifestantes transformem a frustração e raiva em votos a Biden, mas há desconforto com posições antigas de Biden e desilusão com o sistema político.

Só 29% dos eleitores negros com até 30 anos dizem que certamente vão votar, segundo a pesquisa. Entre maiores de 30 anos, a proporção sobe para 62% e, entre os com mais de 60 anos, 78%. Se os jovens negros não votarem ou registrarem o nome uma terceira via na cédula, Biden pode ficar longe da sonhada participação recorde de negros que planeja obter. A pesquisa foi conduzida em Wisconsin, Michigan, Pensilvânia, Carolina do Norte, Flórida e Geórgia. Donald Trump venceu em todos esses Estados em 2016. Nos três primeiros, por uma margem muito apertada. Agora, todos são Estados em disputa pelos partidos Republicano e Democrata.

“Não votarei em Trump, mas não decidi ainda em quem votar. Há outros candidatos além de Biden”, afirmou Stacey, de 31 anos, vestindo uma blusa preta customizada com a expressão “Black Lives Matter” em grandes letras douradas durante a manifestação na capital americana.

A questão racial tem sido um dos mais importantes temas de campanha neste ano. A campanha de Trump entendeu o recado e fez acenos durante a convenção, com um esforço para mostrar alguma diversidade no partido republicano. A mensagem da campanha do presidente, no entanto, é a de que não há racismo nos EUA – uma ideia completamente contrária ao que os jovens nas ruas dizem e a chapa de Biden e Kamala Harris assume. 

A maioria esmagadora dos eleitores negros prefere Biden a Donald Trump. A pesquisa New York Times/Siena College, em julho, mostrou que Biden tem uma vantagem de 74 pontos entre o eleitorado negro. Isso não é uma surpresa, mas também não é o bastante para dar ao candidato democrata a participação recorde de negros nas eleições que ajudou Barack Obama a chegar à Casa Branca. 

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Desde o ano passado, quando lançou sua candidatura, Biden sabia da dificuldade de aproximação com o eleitorado jovem – tanto branco como negro. A nomeação dele pelo Partido Democrata foi impulsionada com o apoio dos eleitores negros mais velhos. Os persistentes e amplos protestos contra o racismo têm mobilizado a juventude negra e são vistos como favoráveis à campanha de Biden, mas ainda há pouca empolgação em torno do nome do democrata.

“Eu sei que votar em outro candidato que não Biden parece um desperdício”, disse Stacey. Há dois candidatos pelo Partido Libertário e pelo Partido Verde americanos. Mas o sistema político dos EUA é organizado em torno de dois principais partidos. Desde 1852, segundo o jornal Washington Post, os partidos republicano e democrata se revezaram entre primeiro e segundo lugares, com exceção de uma única vez. As campanhas tentam convencer jovens desiludidos com o sistema eleitoral não apenas a votar, mas também a não escolher uma terceira via.

Passado.

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“Não gosto das declarações passadas de Biden. O fato de ele ter escolhido Kamala Harris como vice ajuda, mostra que ele está comprometido com a agenda de igualdade racial, mas realmente ainda não sei”, completa Stacey, designer de interiores. A maioria de negros, de todas as idades, concorda com a afirmação de que Trump é racista, mas entre os mais velhos essa análise é ainda mais forte. Entre os jovens, 79% dizem que o presidente é racista, um número que pula para 90% entre os negros com mais de 60 anos. Em todas as faixas etárias a maioria dos negros tem medo de que a polícia os machuque e entende o sistema de justiça criminal como racialmente injusto.

É comum ver cartazes contra Trump nas manifestações anti racismo, mas é mais raro encontrar placas de apoio explícito a Biden. Sheridawn Peden e Camille Atlan, ambas estudantes de 22 anos, viajaram juntas de Atlanta, Geórgia, para a marcha em Washington. Elas pretendem votar em Biden, mas sem empolgação. 

Camille Atlan e sua amiga Sheridawn Peden durante manifestação em Washington Foto: BETRIZ BULLA/ESTADAO

Camille já pediu sua cédula para votar antecipadamente pelo correio no democrata, mas Sheridawn responde, sem firmeza, que “provavelmente” votará no democrata. “Temos um presidente incompetente e um candidato que não é necessariamente firme sobre políticas raciais – ao menos no passado não foi”, afirma Sheridawn. “Há pessoas que não querem votar e eu entendo o que eles sentem, pois também sinto”, disse a jovem.

A plataforma de campanha de Biden, que apresenta o democrata como um candidato de centro e moderado, tem dado resultado entre os eleitores independentes e indecisos que deram força a Trump em 2016, mas é insuficiente para animar os jovens que estão nas ruas pedindo por mudança.

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“Biden tem posições mais conservadoras em vários temas”, afirma Camille. Ela diz que vai votar no democrata apesar de algum desconforto. “Ele não apoiava o ‘busing’, agora sua posição pode soar hipócrita”, diz Camille. 

“Busing” é o nome dado por uma política da década de 70 que previa misturar alunos brancos e negros nos ônibus escolares como ferramenta para acabar, na prática, com a segregação racial de crianças. Biden criticou a política na época e foi interpelado sobre o fato por Kamala Harris, quando ela ainda disputava a nomeação do Partido Democrata à presidência, em 2019. 

Eleitores mais velhos são mais moderados e mais conservadores do que os jovens, o que beneficia Biden. Apesar de eleitores negros serem em sua maioria democratas, são ainda mais conservadores que os brancos nos EUA. No ano passado, entre eleitores brancos que se identificam como democratas, 55% se diziam progressistas. Entre os negros democratas, só 29% dizem ser progressistas, segundo o Pew Research Center.

Os jovens que estão nas ruas têm discurso mais alinhado à ala progressista do Partido Democrata, da qual Biden não faz parte. Além disso, estão desencantados com a política: 49% dos jovens negros concorda total ou parcialmente com a frase “eu não voto porque não faz diferença”. Entre os eleitores negros com mais de 60 anos, menos de 10% pensam dessa maneira.

Rodney Fomby, de 26 anos, diz vai votar no democrata – que acha apenas “ok”, mas fala de conhecidos que não acreditam no sistema eleitoral americano. “O sistema do Colégio Eleitoral desencoraja as pessoas a votar, há muitas pessoas que não acham que o voto delas importa”, afirma Fomby.