Julgamento de Garzón fere lei internacional, diz especialista

Para Anistia Internacional, que defende o juiz, processo contra ele é 'insólito e escandaloso'

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Por Christina Stephano de Queiroz
Atualização:

Texto atualizado às 15h31 de 31/1

 

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SÃO PAULO - Uma fase decisiva no processo judicial movido contra o juiz espanhol Baltasar Garzón ocorre nesta terça-feira, 31. O caso ganhou fama em todo o mundo depois que Garzón moveu causas contra ditaduras da América Latina, emitiu uma ordem de prisão contra o ditador chileno Augusto Pinochet, em 1998, e mandou prender o terrorista Osama bin Laden.

 

Veja também:blog ENTENDA: O perfil de Garzón e o processo contra ele

 

Na etapa que ocorre nesta terça, o Tribunal Superior espanhol vai decidir se considera "questões prévias ao julgamento" apresentadas pela defesa do juiz na semana passada. Se aceitas, o julgamento pode até ser cancelado. Diferentes "questões prévias" foram trazidas pelos advogados de defesa, com o objetivo de anular o processo.

 

A mais importante delas se refere ao fato de que apenas uma organização privada (o Sindicato Manos Limpias - Mãos Limpas, em espanhol) acusa Garzón, algo que poderia levar o Tribunal Superior a cancelar o julgamento.

 

'Esquerda radical'

 

Mirel Bernas, secretário-geral do Manos Limpias explicou, em entrevista ao estadão.com.br, que a acusação feita contra Garzón remonta ao processo movido pelo juiz, há dois anos, para investigar os crimes cometidos pelo ditador espanhol Francisco Franco (1892-1975). "Garzón conhecia a Lei de Anistia criada pelo país em 1977, que impede julgar os envolvidos na Guerra Civil, e mesmo assim moveu a ação. Ele ditou uma resolução sabendo que era injusta, ou seja, é um prevaricador", acusa Bernas.

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Segundo ele, o sindicato pede que o juiz seja inabilitado por mais de 20 anos, o que o deixaria fora da carreira judicial. "Garzón representa a esquerda radical espanhola", afirma o secretário. Embora três procedimentos penais estejam sendo movidos contra o juiz, o sindicato está envolvido apenas no que se refere aos crimes contra a ditadura.

 

O secretário-geral do Manos Limpias também argumenta que Franco não cometeu crimes, e as mortes ocorridas sob seu governo foram fruto de "confrontações civis e não podem ser consideradas crimes contra a humanidade". Ainda na opinião de Bernas, julgar um crime contra a humanidade seria competência de um tribunal penal internacional - e não da justiça espanhola. Ele afirma que os tratados internacionais têm um caráter subsidiário para a lei espanhola. "Fomos tachados de fascistas e de representantes da extrema-direita. Não somos nem de direita, nem de esquerda e tampouco franquistas", diz.

 

Questionado sobre a afirmação de organizações e juristas internacionais - que asseguram que os direitos humanos estão acima da Lei de Anistia espanhola - Bernas disse que "eles não a conhecem". Para ele, "a lei espanhola está acima de leis de crimes contra a humanidade".

 

'Insólito e escandaloso'

 

Eva Soares, diretora adjunta da Anistia Internacional (AI) da Espanha, organização que defende Garzón, considera o julgamento "insólito e escandaloso". Ela explica que os crimes internacionais, como os cometidos pela ditadura de Franco, não podem ser objetos de anistia, já que, segundo ela, "nenhuma lei está acima dos direitos humanos".

 

"Consideramos um absurdo que um tribunal tão importante da Espanha deixe de lado os direitos internacionais. A Lei de Anistia não pode ser usada como desculpa para deixar de julgar os desaparecimentos e crimes da era franquista", afirma a diretora.

 

De acordo com Eva, Garzón é o único juiz espanhol que tentou investigar crimes do franquismo. "Algumas vítimas da guerra civil e da ditadura de Franco entraram com processos em tribunais regionais, porém nenhum acusado chegou a ser julgado", explica.

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Para a AI, é "um escândalo" que alguém seja julgado por investigar violações dos direitos humanos. Eva espera que, nesta terça-feira, as autoridades espanholas desistam do julgamento de Garzón e "invistam suas forças em buscar justiça para os milhares de desaparecidos". Ela lembra que se o julgamento de fato ocorrer, o resultado deve sair na segunda semana de fevereiro.

 

"O julgamento de Garzón lança um sinal negativo sobre a Espanha e sobre o resto do mundo. Quando um juiz finalmente opta por promover investigações sobre violações dos direitos humanos, senta no banco dos réus", lamenta. Para a AI, com este julgamento, a justiça espanhola mostra um papel contraditório. "A Espanha desempenhou um papel importante na luta contra a impunidade em outros países e agora leva a julgamento alguém que tenta buscar justiça para o próprio país", lembra.

 

Hugo Relva, jurista internacional e conselheiro jurídico da AI, explica que a Lei de Anistia espanhola não perdoa responsáveis de crimes contra a humanidade, mas protege presos políticos e os opositores da ditadura. "Se o Tribunal interpreta a lei de forma equivocada, consideramos que ela é nula, pois entra em contradição com obrigações de direito internacional da Espanha", afirma.

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