Julgamento de mulher de líder chinês teria 'impressões digitais' do PC

Gu Kailai foi condenada por morte de britânico em caso tratado como crime comum, mas que, para analistas, esconde escândalo político e de corrupção.

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Por John Sudworth
Atualização:

A condenação da mulher do ex-dirigente comunista Bo Xilai pelo assassinato do empresário britânico Neil Heywood coloca um ponto final nas investigações sobre o caso, mas abre uma série de dúvidas sobre qual poderia ter sido o papel da cúpula do Partido Comunista (PC) chinês na forma como ele foi encaminhado. Gu Kailai foi considerada culpada por embebedar Heywood e colocar veneno em sua boca e, pelo crime, recebeu uma pena de morte com uma "moratória" de dois anos. Isso significa que, se não cometer nenhuma infração nesse período, a chinesa poderá ter sua pena transmutada em prisão perpétua. O benefício foi concedido porque, no entendimento do tribunal, Gu Kailai teria problemas psicológicos e agiu para defender o filho. Com a decisão, o caso foi encerrado. Um crime terrível foi resolvido e justiça foi feita para o agressor para a vítima. Mas uma análise mais profunda da história faz com que a sua narrativa pareça excessivamente limpa e conveniente para uma agenda em particular. E observadores bem informados dizem ver 'impressões digitais' do Partido Comunista (PC) chinês na forma como ela foi encaminhada. É claro que Gu Kailai pode muito bem ser culpada. Na verdade, a forma como o crime veio à tona torna plausível essa possibilidade. No ano passado, em um incidente bastante embaraçoso para a China, um chefe da policia de Chongqing se refugiou em um consulado americano denunciando o assassinato e um complô para acobertá-lo. No entanto, mesmo supondo que Gu Kailai realmente matou Heywood, ainda há motivos de sobra para se suspeitar da forma como o julgamento foi conduzido, sob a sombra da influência política de seu marido, Bo Xilai. Conexões políticas Bo Xilai era uma figura realmente importante na China. Foi chefe do partido comunista de Chongqing e membro do Politburo. Esteve entre os 25 mais altos membros do partido em todo o país, antes de cair em desgraça. Também controlava a policia de Chongqing. Por isso supõe-se que sua influência política poderia ter sido usada para encobertar o assassinato. Heywood era sócio de Bo Xilai e por isso a notícia de que Gu Kalai o fez beber cianeto provavelmente abalou altos escalões do partido. Alguns sugerem que o assassinato do britânico poderia estar ligado a serviços prestados por ele para ajudar a família de Bo Xilai a enviar grandes somas de dinheiro para o exterior - o que faria do caso um escândalo de corrupção. Gu Kailai diz que matou Heywood simplesmente porque ele estaria ameaçando seu filho. Mas se parte desse enredo mais complexo fosse desvendado, poderia manchar a reputação do PC em um ano em que o partido está prestes a concluir uma delicada transição de poder. Tribunais parciais Como todas as instituições chinesas, os tribunais do país devem se curvar às ordens do Partido Comunista. Mo Shaoping, advogado do vencedor do Prêmio Nobel da Paz Liu Xiaobo - que está preso - especializou-se em caminhar nessa fronteira difusa entre política e direito na China e explica da seguinte maneira o problema: "A China não é um país que respeita as leis. (Para autoridades chinesas) o custo de violar suas próprias leis é considerado insignificante", disse ele. "Por isso é inegável que, na atual situação política, a influência e o status de Bo Xilai sejam fatores extra-judiciais que teriam impactos inevitáveis sobre o caso." É por isso que muitos observadores acreditam que a forma como as evidências do caso foram apresentadas e as conclusões anunciadas são simplesmente muito convenientes politicamente para serem verdade. Em primeiro lugar não há nenhuma menção à possibilidade de atos de corrupção estarem por trás do assassinato. Em vez disso, o inquérito e o veredito dizem apenas que Heywood estava envolvido em uma disputa com a família de Gu Kailai sobre um negócio que não deu certo. Segundo a sentença, Gu Kailai de fato matou o britânico porque ele estaria ameaçando seu filho. Mas para alguns analistas, a estratégia de defesa da família foi traçada de modo a refletir sentimentos nacionalistas e xenófobos que despertam simpatia na China. O fato de que Gu Kailai não será enviada ao pelotão de fuzilamento, evitando o risco de ampliar a atenção dada pela mídia internacional ao caso, também foi conveniente para o PC. Além disso, apesar de quatro policiais terem sido levados a julgamento por seu papel na tentativa de encobrir o caso, não houve qualquer menção à situação de Bo Xilai. Reação da imprensa "Trata-se de um crime comum, e a sociedade deve vê-lo como tal", escreveu sobre o caso o jornal Global Times, do Partido Comunista. Mas para alguns especialistas, apesar dos esforços do PC, o julgamento tem o efeito oposto, expondo divisões políticas e tensões entre seus integrantes. O sucesso político de Bo Xilai foi construído com apelos a antigos valores comunistas e uma rejeição às reformas econômicas liberais. Um dia antes do anúncio de que Bo Xilai tinha sido afastado da chefia do partido em Chongqing, o premiê chinês Wen Jiabao o repreendeu em público. Na ocasião, Jiabao defendeu mais reformas políticas e econômicas, advertindo que, sem elas, a China poderia escorregar de volta para os dias sombrios da Revolução Cultural - uma aparente referência ao movimento liderado por Bo Xilai em Chongqing. O pai de Bo Xilai, Bo Yibo, foi um dos políticos mais influentes da China na década de 1980, tendo um papel importante na queda de Hu Yaobang, um reformador liberal e um dos mentores de Wen Jiabao. Divisões "Em termos políticos, há um enorme fosso entre Wen Jiabao e Bo Xilai", diz Ding Xueliang, professor de ciências sociais na Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong. "As diferenças entre os dois vêm desde os anos 80. Isso pode parecer muito tempo para algumas pessoas, mas essa época ainda está fresca na memória de lideranças da China moderna." Líderes chineses esperam ter feito tudo o que podiam para limitar os danos do caso da morte de Heywood. Ao menos o monopólio e controle sobre a difusão de informação na China tem facilitado seu trabalho. Fora do tribunal em que Gu Kailai foi julgado, em Hefei, por exemplo, no início deste mês era difícil encontrar alguém que tivesse ouvido falar dela. O caso chegou a ser mencionado em artigos da imprensa oficial, mas notícias na Internet que o mencionavam foram bloqueadas. Em breve, a China terá de escolher um novo presidente para substituir Hu Jintao - sendo o vice-presidente, Xi Jinping, de 59 anos, um dos mais cotados para tal função. Ao menos nesse momento o julgamento de Gu Kailai parece indicar a existência de fissuras escondidas abaixo da fachada sólida e inquebrável do Partido Comunista da China. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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