‘Julgamento político fortalece líder deposto’

Professor critica processo ‘orientado’ para punir presidente; ‘Mubarak fugiu da imprensa, agora é ela quem foge de Morsi’

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Por Andrei Netto e correspondente em Paris - O Estado de S. Paulo
Atualização:

PARIS - Cientista político da Universidade Americana do Cairo, Emad Sharin é um dos raros intelectuais dissidentes no Egito. Ao contrário de seus pares, ele não apoia o governo provisório de Adli Mansour, primeiro-ministro desde o golpe militar que derrubou o presidente eleito, o islamista Mohamed Morsi, em 3 de julho. A seu ver, o julgamento de Morsi não deixa dúvidas: trata-se de um procedimento político viciado. A seguir, a entrevista por telefone ao Estado.

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Qual é o nível de credibilidade do julgamento de Morsi? É algo meramente político?

Sim, para muitas pessoas não há dúvida de que é um julgamento político. Pela forma como o processo foi conduzido, como o julgamento foi elaborado, pelas escolhas das vítimas que foram incluídas, dos advogados. Tudo foi escolhido para que seja um julgamento orientado. É difícil acreditar que seja um processo justo. Além disso será um julgamento secreto, sem acesso à informação - a não ser por vazamentos. O julgamento também vem sendo conduzido diante de uma campanha de mídia. Jornalistas no interior do tribunal hoje gritaram: "Morte a Morsi". Se continuar dessa forma, Morsi vai marcar muitos pontos, reafirmando sua condição de presidente civil eleito e deposto por um golpe militar.

A recusa de Morsi em reconhecer o tribunal surpreendeu?

Não me surpreende nada. Ele reitera a diferença entre seu julgamento e o de Hosni Mubarak - que se escondia, aparecia em um leito hospitalar ou quase não falava. Morsi fica em pé, fala em sua própria defesa, questiona a corte e todo o processo e acusa os juízes de mantê-lo ilegalmente preso. Enquanto Mubarak se escondia das câmeras, são as câmeras que se escondem de Morsi.

É possível prever qual será a reação da opinião pública?

Não. A população egípcia está dividida desde o início do governo de Morsi. Mas não podemos admitir que a divisão de uma sociedade não seja resolvida nas urnas. Os partidários de Morsi continuam a protestar em seu favor após quatro meses. Quem tem a maioria hoje? Não se sabe. Temos de voltar ao processo democrático para saber.

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O secretário de Estado americano, John Kerry, fez um sinal de conciliação com o governo interino. O que esse gesto significa?

Significa que o governo americano continua escolhendo o pior lado da história. Significa que a velha escola do Departamento de Estado e do Pentágono ainda considera o Egito um satélite. A Europa demonstra objeção a esse golpe, mas não vai mais longe em uma condenação. Quem advoga pela democracia considera essas declarações um grande passo atrás e os egípcios vão se lembrar de quem apoiou esse regime de raízes fascistas.

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