
02 de julho de 2020 | 15h31
LONDRES - A Corte Suprema do Reino Unido decidiu nesta quinta-feira, 2, que Juan Guaidó é o presidente reconhecido da Venezuela, em julgamento sobre o acesso às reservas de ouro do país que estão depositadas no Banco da Inglaterra (BoE).
O juiz Nigel Teare, após ouvir as partes, indicou que a instituição financeira pode receber instruções da junta designada pelo autoproclamado chefe de governo, que é reconhecido por cerca de 50 nações, entre elas Estados Unidos e Brasil, e não da indicada por Nicolás Maduro, reeleito em maio de 2018.
A sentença de hoje faz parte de um processo iniciado por Calixto Ortega, líder da junta designada por Maduro, que acusou o Banco da Inglaterra de descumprir contrato, ao não transferir € 930 milhões (R$ 5,59 bilhões) das reservas de ouro da Venezuela para um fundo da ONU. O dinheiro iria para a luta contra a covid-19 no país sul-americano.
O governo de Maduro tenta há mais de um ano e meio, sem sucesso, recuperar as 31 toneladas de ouro guardadas pela Venezuela nos cofres do BoE.
Durante o processo, o advogado que representava o regime de Nicolás Maduro argumento que o governo do Reino Unido declarou um comunicado divulgado em 2019 que reconhecia Guaidó como "presidente interino constitucional" até a realização de novas eleições, mas na prática, mantinha laços diplomáticas como a administração eleita.
A defesa de Guaidó, por sua vez, defendeu que o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, deu declarações claras de que o líder opositor é o representante político da Venezuela, por isso, a Corte Suprema deveria fazer o mesmo, se baseando na doutrina "uma só voz", vigente no reino europeu.
À agência EFE, o escritório de advocacia Zaiwalla & Co, que representa no caso a junta do Banco Central da Venezuela (BCV), indicada por Maduro para gerir as reservas de ouro no Reino Unido, confirmou que recorrerá da sentença.
De acordo com a defesa do governo eleito, a expectativa é que o juiz Teare, da divisão Comercial e de Propriedade da Corte Suprema, defina com rapidez pelo trâmite do recurso, já que o caso é considerado urgente.
Os advogados da junta designada por Maduro questionam que uma decisão com "tanta importância legal internacional", como o próprio magistrado classificou, foi tomada com base em pontos legais, mas "sem examinar os fatos", apenas pelo argumento de que deveria ser seguida a orientação do governo britânico.
A Zawailla & Co lembrou que os representantes designados por Guaidó moram fora da Venezuela, com isso, apenas o Executivo liderado por Maduro poderia garantir que o dinheiro das reservas de ouro fosse usados para a gestão da crise provocada pela covid-19, a doença provocada pelo novo coronavírus.
"Esta decisão atrasará mais as coisas, em detrimento do povo venezuelano, cujas vidas correm perigo", afirmou o advogado Sarosh Zaiwalla.
Além disso, o escritório questiona que o juiz do caso tenha considerado válidas as nomeações feitas pelo líder opositor, sem levar em conta que, anteriormente, foram declarados nulos pelo Supremo Tribunal da Venezuela.
"A grande pergunta é se isto implica que a administração de Guaidó terá acesso e livre disposição sobre o ouro. Isto é algo que poderá ser explicado no futuro", afirma Diego Moya-Ocampos, especialista em Américas do grupo londrino de análise de riscos IHS Markit. "A decisão demonstra como a administração de Maduro está cada vez mais isolada (...) do ponto de vista do acesso ao sistema financeiro internacional."
A representante de Guaidó em Londres, Vanessa Neumann, afirmou que sua única intenção agora é "resguardar o ouro da reserva nacional para o povo venezuelano".
"Queremos que fique claro que nós nunca buscamos o ouro, foi Maduro que buscou movimentá-lo e, por causa disso, começou o litígio", completou, antes de celebrar a "vitória do povo".
Guaidó nega que o dinheiro vá ser usado para aliviar a crise de saúde e diz temer que seja destinado para reprimir a população.
O governo venezuelano afirmou que negociou para que os fundos sejam transferidos diretamente para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para a compra de medicamentos e de material médico.
Questionado pela France Presse, o PNUD confirmou apenas que Caracas fez a proposta e que o organismo está disposto a "explorá-la" no âmbito de um eventual acordo entre BCV e BoE.
O resultado do julgamento pode estabelecer um precedente para outros fundos venezuelanos bloqueados no exterior. / EFE e AFP
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