CARACAS - No dia seguinte a um helicóptero abrir fogo contra o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela (TSJ), a chavista dissidente Luisa Ortega Díaz, procuradora-geral do país, teve nesta quinta-feira, 29, as contas bloqueadas e foi proibida de sair do país. Horas antes a corte mais importante do país tirou poderes delae deu à Defensoria Pública, fiel ao chavismo, acesso às investigações da Procuradoria, que miram funcionários envolvidos com repressão interna e propina paga pela Odebrecht.
A chefe do Ministério Público reagiu com um discurso duro, em que acusou o presidente Nicolás Maduro de “terrorismo de Estado” e prometeu defender a Constituição com a vida.
Na terça-feira 27, a Corte decidiu equiparar os poderes da Defensoria do Povo - leal ao chavismo - aos do Ministério Público, em casos relacionados a direitos humanos. Com isso, o defensor público Tarek William Saab ganhou acesso a todas as investigações em curso da promotoria, incluindo documentos, análises forenses, diligências e reconstituições.
“A defensoria tem ampla competência constitucional para proteger os direitos humanos e pode ter acesso a atuações judiciais quando se trata de violações de direitos humanos sem que isso influa no marco de atuação do Ministério Público”, diz o texto.
A procuradoria-geral tem processado membros da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) pela morte de manifestantes na repressão a protestos contra o governo, que começaram em abril e já deixaram 76 mortos.
Além disso, o TSJ, que também é vinculado ao chavismo, declarou “nula” a designação por Ortega do vice-procurador-geral Rafael González e tomou para si a competência de nomear o novo número dois da procuradoria. Na quarta-feira, o TSJ proibiu Luisa Ortega de sair do país e congelou suas contas bancárias.
O tribunal também indeferiu o recurso impetrado pela procuradora-geral contra o método de eleição da Assembleia Constituinte convocada por Maduro.
Reação. Em entrevista, Ortega Díaz subiu o tom das críticas ao governo, com quem rompeu há três meses, e ironizou a reação chavista ao ataque com um helicóptero à sede do TSJ.
“Aqui parece que o país todo é terrorista. Estão desesperados para que haja um golpe de Estado”, ironizou. “O que temos é um terrorismo de Estado. Perdeu-se o direito de manifestação e elas são reprimidas cruelmente. Julga-se civis pela Justiça militar. Protegerei com a minha vida esta Constituição.”
Ortega Díaz ainda prometeu desconhecer as decisões proferidas pelo TSJ e garantiu que tanto o Ministério Público quanto a Assembleia Nacional não estão em desacato.
‘Golpe’. Ainda na quarta-feira, o autor do ataque foi identificado como Oscar Pérez, inspetor aeronáutico da polícia científica venezuelana. De 36 anos, ele também é conhecido como ator amador. Na tarde de quarta-feira, ele dirigiu um helicóptero da entidade rumo ao TSJ e efetuou 15 disparos contra o prédio.
O incidente ocorre depois de Maduro por vários dias alertar para planos de um golpe para derrubá-lo. O presidente se pronunciou sobre o ataque durante um ato na TV estatal, no qual declarou ter mobilizado o Exército para “garantir a tranquilidade”. Enquanto falava sobre o caso, ria e brincava.
A coalizão opositora Mesa de Unidade Democrática (MUD) prometeu investigar a denúncia, sem descartar a possibilidade de uma farsa. “Dizem que os policiais estão fartos do governo. Seja como for, tudo indica que a situação é insustentável”, disse o presidente da Assembleia Nacional, Julio Borges.
Analistas veem o caso com ressalvas. “É possível que o governo tenha montado o episódio do helicóptero para distração da crise ou provocar um expurgo nas forças de segurança”, disse Diego Moya-Ocampos, da consultoria IHS Markit. /EFE e AFP