Kirchnerista sai em jejum de 'jantar eleitoral'

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Por Rodrigo Cavalheiro , CORRESPONDENTE e BUENOS AIRES
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Daniel Scioli caminha atordoado pelo salão com 3,2 mil convidados a pagar por sua campanha à presidência. É puxado pelo ombro, pelo pescoço, pelo terno e até pela prótese que substitui o braço direito, arrancado quando sua lancha virou numa corrida em 1989. O candidato kirchnerista já não olha quem pede para tirar uma selfie. Até porque a maioria apenas chega o mais próximo da cabeça presidenciável, dispara o celular e sai sorrindo, tenha capturado uma das orelhas ou a nuca.Entre os presentes há empresários que pagaram R$ 3,5 mil para jantar e estar na lista de amigos, em uma aposta de que a refeição parecerá barata a partir de outubro se o anfitrião, que acabou não jantando, confirmar o favoritismo. Há celebridades convocadas a emprestar popularidade, outras que tentam recuperá-la para estar no próximo jantar. Esportistas como Scioli, há de todo tipo. Está o técnico do Mundial de 1986, Carlos Bilardo, que também aceita selfies "roubadas" enquanto fala no celular, e alguns jogadores remanescentes da conquista. Está também o boxeador Víctor Emilio Ramírez, uma espécie de garoto-propaganda que atribui a Scioli o fato de ter deixado as ruas e atende pelo apelido de "Tyson do Abasto", referência ao bairro que frequentava Carlos Gardel. E há também os penetras que entraram pela cozinha, aproveitando a confusão entre os 250 garçons.Scioli acabou de fazer um discurso de continuidade das políticas de Cristina Kirchner e de exaltação de seus oito anos à frente da Província de Buenos Aires, 38% do eleitorado argentino. "Em 12 anos, saímos do inferno com Néstor Kirchner e temos um país absolutamente organizado", disse em seu primeiro ato formal de campanha, na noite de quinta-feira, no jantar de arrecadação ao lado do Rio da Prata, uma iniciativa tratada pela imprensa local como "a moda da campanha". Seu grande rival, Mauricio Macri, prefeito de Buenos Aires, fez o seu em março, com menos convidados , mas endinheirados - cobrou R$ 17,5 mil por refeição."Nosso evento é para pequenos e médios empresários. Essa é uma de nossas diferenças em relação a Macri", disse ao Estado Cristina Álvarez Rodríguez, chefe da Casa Civil de Scioli, no início da noite, quando jornalistas disputavam espaço para perguntas em um corredor que imitava a passarela do Oscar. Por ali políticos governistas e famosos entravam, faziam o V característico do peronismo diante de câmeras e ingressavam no salão principal, vetado a repórteres e fotógrafos."O que você melhoraria no governo de Cristina?", insistia em questionar o vídeorepórter Gustavo Butrón, diante de cada convidado. A resposta era um sorriso amarelo, quando não o desprezo completo. "Ninguém aqui diz que a presidente fez algo mal", queixava-se. O próprio Scioli trocou a expressão "melhorar" por "fazer mais" após fechar sua chapa com o ideólogo kirchnerista Carlos Zannini há um mês e enterrar a disputa de uma primária em 9 de agosto contra o ministro dos Transportes, Florencio Randazzo."Scioli nunca foi o preferido, mas como Randazzo não decolava nas pesquisas...", disse Miguel Chein, candidato a prefeito de Perico, a 1,5 mil quilômetros de Buenos Aires. Baixinho, não conseguiu espaço na disputa por uma foto.O jantar serviu para, além de justificar ou "limpar" o ingresso de R$ 12 milhões na conta de campanha - celebridades, esportistas e penetras, obviamente, não pagaram -, aproximar dois grupos eram inimigos até um mês atrás. Os kirchneristas mais ligados a Cristina consideram Scioli um herdeiro de Carlos Menem (1989-1999), a parte mais conservadora do peronismo. Sua antítese é, ou era, o movimento juvenil La Cámpora, a vertente mais radical da esquerda peronista e a base da militância de Cristina.Segundo a média de três pesquisas divulgadas em julho, Scioli tem 10 pontos de vantagem sobre Macri, mas os principais institutos estão em silêncio desde que a chapa Scioli-Zannini foi anunciada.

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