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Kosovo amplia reivindicações de separatistas

Regiões vêem independência de província como precedente perfeito para autodeterminação

Por Tim Judah , The Guardian , Tskinvali e Ossétia do Sul
Atualização:

Quando visitei Tskinvali, a capital da Ossétia do Sul, há alguns meses, ela me pareceu o fim do mundo e não o lugar que desencadearia uma nova guerra no Cáucaso. O ânimo não era muito diferente em Sokumi, capital da Abkázia. Eles eram dois dos quatro "conflitos congelados" da antiga União Soviética. Ossétia do Sul e Abkázia romperam com a Geórgia em meio a violentos combates quando a União Soviética se desintegrou. Os outros dois "conflitos congelados" na região são Nagorno-Karabakh, um enclave armênio no Azerbaijão, e a Transdniester, cuja população eslava se rebelou contra a Moldávia, que tem um povo e uma língua estreitamente ligados à Romênia. Nenhum é reconhecidos, mas existem como Estados de fato, ainda que com apoio da Rússia. No caso de Nagorno-Karabakh, com apoio da Armênia. Tome-se o caso da Ossétia do Sul, que, como a Abkázia, tinha um status autônomo dentro da Geórgia soviética. Embora muitos ossétios do sul vivam em Tbilisi e em outras partes da Geórgia, seu povo está realmente ligado à Ossétia do Norte, que hoje pertence à Rússia. "Nosso objetivo é a unificação com a Ossétia do Norte", disse Alan Pliev, vice-chanceler da Ossétia do Sul. A algumas horas de distância de carro, o sonho dos abkázios era diferente. Seu objetivo é simplesmente aferrar-se ao que eles conseguiram. E existe um problema. Antes da guerra abkázia no início dos anos 90, menos de 18% de sua população era de etnia abkázia. Hoje, esse grupo ainda representa apenas 45% dos cerca de 200 mil habitantes da província, e centenas de milhares de georgianos que saíram da Abkázia nos anos 90 querem voltar para casa. Os abkázios, que têm um controle firme do governo, argumentam que permitir a volta desses refugiados seria fazer novamente dos abkázios uma pequena minoria em sua própria pátria. Ao contrário dos ossétios, os abkázios têm grande desconfiança dos russos. "A Abkázia está ligada à Rússia, que é o único país que realmente coopera com a Abkázia, mas hoje muitos temem que isso possa levar à nossa absorção política", disse Leyla Taniya, que dirige um centro de estudos em Sokumi. É fácil compreender por que há esse temor. Todos os abkázios, como os ossétios do sul, receberam passaportes russos e votam em eleições russas, apesar de seus pequenos Estados não reconhecidos serem legalmente parte da Geórgia. Eles usam o rublo, seu povo trabalha e estuda na Rússia, e eles falam russo tanto quanto o abkázio ou o ossétio. E, como os últimos dias mostraram, sem apoio militar russo duvida-se que essas regiões separatistas ainda existiriam. Mas o curioso é que a Rússia realmente não quer sua secessão plena. Após combater separatistas na Chechênia por mais de uma década, Moscou teme algo que possa criar um precedente e encorajar o esfacelamento da Federação Russa. E ela não é a única grande potência com essa preocupação: a China fica nervosa com qualquer coisa que possa alimentar esperança separatista no Tibete ou na região de Xinjiang, para não falar na ilha de Taiwan. Neste ano, a polêmica sobre o separatismo aumentou e a razão disso é Kosovo. Em 17 de fevereiro, Kosovo, que tem cerca de 2 milhões de habitantes, 90% dos quais albaneses étnicos, declarou independência da Sérvia. A Sérvia rejeita, é claro, sua independência, assim como a Rússia, a China e, na verdade, a maioria dos países do mundo, entre eles a Geórgia. Dos 27 países da União Européia, 20 o reconheceram, ao lado dos EUA e de outros países ocidentais. Mas ao fazê-lo, esses 45 Estados parecem ter cruzado um obstáculo legal. Até então, os únicos Estados novos na Europa haviam sido as 6 repúblicas da antiga Iugoslávia, as 15 ex-repúblicas soviéticas, e as repúblicas checa e eslovaca. Kosovo é diferente. Como as quatro separatistas pós-soviéticas, ela era uma província de uma república existente. Assim, argumentam os líderes sérvios, ela não tem o mesmo direito à independência que as repúblicas tiveram. Para os albaneses de Kosovo, sua luta tinha como base o direito legal de um povo à autodeterminação - como os sérvios argumentaram em 1991 quando estabeleceram a efêmera república separatista de Krajina na Croácia. Daí a recusa da Rússia a apoiar a independência de Kosovo. "O Ocidente é visto hoje por muitos da elite e do público russos como uma força ameaçadora que está conspirando para dividir a Rússia e despojá-la de suas riquezas naturais. Ao apoiar o direito da Sérvia de vetar a secessão de Kosovo, o Kremlin claramente acredita que está defendendo o inquestionável direito da Rússia de manter sua integridade territorial pelos meios disponíveis", diz Pavel Felgenhauer, um influente comentarista russo. Claro, a Rússia está interessada na sua integridade territorial e não na da Geórgia. Ao apoiar a Abkázia e a Ossétia do Sul, ela tem os meios para manter a Geórgia à sua mercê e impedi-la de seguir o caminho pró-Ocidente. Mas, fora isso, ela tem pouco interesse em Estados separatistas. Em setembro, a Sérvia pedirá à Assembléia-Geral da ONU que solicite do Tribunal Internacional de Justiça um parecer sobre se a declaração de independência de Kosovo foi legal ou não. Se isso acontecer, a decisão poderá causar um grande impacto - ou não, conforme as circunstâncias. Se Kosovo puder ser reconhecido sem a permissão da Sérvia, o mesmo valerá para a Abkázia e a Ossétia do Sul, para não falar da República Srpska (a parte sérvia da Bósnia), o Curdistão iraquiano e - quem sabe? - algum dia até mesmo a Catalunha ou o País Basco. A coisa toda se resume a uma questão simples: estar no lugar certo no momento certo e ter os amigos certos com as armas e interesses certos. O precedente, apesar de todo o temor dos diplomatas, é apenas uma parte disso. O que conta é em qual lugar do mapa se está e o que se pode conseguir.

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