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Lapouge: Zuma, um populista duas caras fiel à África tradicional

Líder do CNA e futuro presidente sul-africano é um camponês que se gaba de não ter tido educação formal

Por Gilles Lapouge
Atualização:

Os 23 milhões de eleitores sul-africanos votaram na quarta-feira, 22, para escolher seus representantes por um período de cinco anos. Esta é a quarta eleição nacional democrática desde que Nelson Mandela saiu da prisão, em 1994. Na próxima semana, os deputados designarão o presidente da república. O nome do escolhido já é conhecido: Jacob Zuma, candidato do Congresso Nacional Africano (CNA). Nesse sentido, pode-se falar em continuidade, já que todos os presidentes desde a eleição de Nelson Mandela, há 15 anos, eram do CNA.

 

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Mas é uma continuidade fictícia. O CNA foi abalado por violentas crises. Em setembro, o então presidente sul-africano, Thabo Mbeki, perdeu a eleição para a chefia do partido para Zuma. Em baixa, Mbeki decidiu deixar a presidência da África do Sul e seus correligionários fundaram o Congresso do Povo. Apesar da cisão e das convulsões, Zuma será presidente. A única incerteza é se ele controlará os dois terços do Parlamento, proporção necessária para poder governar sem entraves.

 

Além disso, o líder do CNA tem uma péssima reputação. Foi acusado de corrupção. Em 2006, foi levado aos tribunais por estupro, mas acabou inocentado. Ele defende a poligamia: acredita-se que tenha 6 mulheres e 26 filhos. Todas essas características se combinam para fazer de Zuma um personagem misterioso, um tipo estranho e um tanto incompreensível, inquietante para alguns, fascinante para outros.

 

Zuma difere dos líderes do CNA que se sucederam até agora. Todos eles eram da elite negra cristã e ocidentalizada - assim como Mbeki, que pertence a uma família de importantes acadêmicos. Zuma é um camponês. Gaba-se de não ter tido uma educação formal e, muitas vezes, tem dificuldade em se expressar em inglês.

 

Mas, em vez de traçarmos aqui o retrato dessa figura complexa, recorreremos às opiniões contrastantes de dois grandes escritores sul-africanos. O primeiro, desconfiado de Zuma, é André Brink, que foi muito influente na batalha contra o apartheid. O segundo, favorável a Zuma, é Rian Malan.

 

Por que Brink, amigo íntimo de Mandela, votará pela primeira vez num partido que não é o CNA? "Zuma é um populista. Sempre diz a seus espectadores o que querem ouvir. É um grande ator, para o qual a vida e a política são uma peça de teatro. Ele é um demagogo."

 

O escritor reconhece que esse homem estranho tem "um charme peculiar, um carisma que se insinua em todas as pessoas que o conhecem, até mesmo alguns de meus amigos". O que André Brink teme, mais como um sentimento do que como uma opinião racional, é que Zuma, por seu populismo, favoreça o "tribalismo". "Lembram", diz , "dos confrontos sangrentos entre os zulus e os militantes do CNA, na época dominado pelos cossa, em 1990-91?" Ele se refere às "tribos" das quais se originaram os chefes do CNA: Mandela e Mbeki são cossa. Zuma é zulu e gaba-se de sua origem.

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É sobre esse ponto que o outro grande escritor, Malan, centra sua análise. O que o encanta, é que Zuma continua fiel a uma África tradicional e proclama sua cultura zulu. O escritor espera maravilhas desse "futuro rei zulu". Segundo ele, a chegada de Zuma ao poder na África do Sul é um acontecimento comparável e, ao mesmo tempo, tão decisivo quanto a eleição de Barack Obama.

 

"Ao contrário dos outros líderes do CNA, Zuma pertence ao povo. Não recebeu educação alguma. É um camponês. Podemos imaginá-lo dançando entre seus irmãos, trajando uma tanga e uma pele de leopardo."

 

E como será o governo Zuma? Brink acha que ele está ansioso para agradar a todos. Malan traça um perfil mais severo. Ele lembra de uma confidência que Zuma lhe fez: "Sou admirador do rei zulu Shak que sabia ser implacável. Ele esmagava o crânio das pessoas que não lhe agradavam."

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