Lentidão marca avanços em Cuba

Acordos pontuais em áreas como turismo e comércio e dificuldade do regime em acelerar transição fazem país mudar pouco

PUBLICIDADE

Por Nick Miroff e HAVANA
Atualização:

Durante décadas, nenhum fato sacudiu tanto Cuba como o anúncio em 17 de dezembro de 2014 feito pelos presidentes Barack Obama e Raúl Castro sobre a normalização das relações entre seus países. Nos 12 meses que se seguiram, os cubanos presenciaram cenas que poucos esperavam ver em toda a sua vida – ou pelo menos na vida de Fidel Castro e seu irmão Raúl. Cuba ainda é o mesmo país de um ano atrás. Mas não exatamente.

Uma bandeira dos Estados Unidos tremula novamente ao sopro da brisa do mar na frente da embaixada americana em Havana. Raúl e Obama mantiveram conversações durante a cúpula dos Estados americanos, em abril. Inúmeros políticos americanos, executivos de empresas, líderes estrangeiros, turistas e celebridades têm visitado a ilha – que por longo tempo foi conhecida por seu isolamento e, de repente, parece estar no centro do mundo.

Vendedora arruma suas bonecas no centro de Havana Foto: YAMIL LAGE|AFP

PUBLICIDADE

Mas o impacto psicológico desses eventos supera de longe qualquer outro físico. Até agora as empresas americanas realizaram poucos negócios. Cuba ainda é um Estado de partido único e a normalização com Washington deixou as autoridades comunistas mais inquietas com a dis/sidência e determinadas a reprimi-la.

“Para muitos amigos meus formados em faculdade, a notícia foi positiva e vimos isso como o início de um longo e complicado processo”, disse Lenier González, fundador do grupo Cuba Posible, que defende reformas gradativas. “Mas, para a maior parte da população, a normalização acarretou expectativas nada realistas de que as coisas mudariam mais rápido.”

Ainda de acordo com o ativista, alguns cubanos estão céticos em razão dos 25 anos de crise econômica. “Para eles, esses acontecimentos são positivos, mas ainda querem se mudar para Miami”, explicou.

Esse terceiro grupo de cubanos entendeu as palavras de Obama em 17 de dezembro como uma sugestão para fugir. O temor é o de que a normalização das relações acabe por extinguir os benefícios para os cubanos que pisam em solo americano. Cerca de 70 mil cubanos partiram para os EUA no ano passado, a maior onda migratória da ilha em décadas.

Repressão. As mudanças verificadas no ano passado também deixaram as autoridades cubanas nervosas, o que provocou uma repressão mais dura das manifestações públicas ou atos de oposição. Dezenas, às vezes centenas, de ativistas são detidos ou presos a cada domingo, quando as Damas de Branco tentam se manifestar em Havana e outro grupo – a União Patriótica de Cuba – realiza uma mobilização semanal em Santiago, a segunda maior cidade da ilha.

Publicidade

Embora o governo em geral não mais mantenha os dissidentes na prisão por longos períodos, ele confia cada vez mais nas prisões de curto prazo para conter protestos de ativistas considerados mercenários a serviço de interesses estrangeiros.

A Comissão de Direitos Humanos e Reconciliação Cubana, ilegal, mas tolerada, computou 1.447 prisões políticas ou detenções arbitrárias em novembro, o maior número em anos.

Na segunda-feira, Obama afirmou que os Estados Unidos continuarão a apoiar os ativistas cubanos e pensa em viajar para a ilha, desde que possa se encontrar com dissidentes.

Este ano, as autoridades cubanas tentaram forçar uma mudança na percepção da população de que Obama é amigo e os Estados Unidos não são mais uma ameaça ou um país inimigo. Mas a rivalidade se transformou do confronto hostil em algo menos aguerrido: uma disputa menos intensa para estabelecer o ritmo das mudanças, com Washington tentando agilizar o processo e Cuba preferindo adotar medidas com mais lentidão e cautela. “Trocamos um ringue de box por um tabuleiro de xadrez”, explicou Rafael Hernandez, editor do jornal cubano Temas.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Lentidão. Raramente passa uma semana sem que se observe uma jogada de xadrez. Em maio, o governo Obama tirou Cuba da lista de Estados patrocinadores do terrorismo, abrindo o caminho para os países restabelecerem oficialmente os vínculos diplomáticos.

Os dois países também assinaram novos acordos de cooperação ambiental. Intensificaram o combate ao tráfico de drogas. O serviço de correios será retomado em fase experimental. Autoridades americanas e cubanas começaram mesmo a discutir as reivindicações que ambos os países fazem, iniciando negociações para o pagamento de bilhões em direitos de propriedade dos Estados Unidos e as reivindicações contrárias feitas por Cuba. Os secretários de Agricultura, Comércio e de Estado dos EUA visitaram Havana, juntamente com dezenas de parlamentares.

As viagens de americanos para Cuba aumentaram 40% desde dezembro, de acordo com estimativas do setor. Um acordo para restabelecer voos comerciais regulares entre os dois países parece ser iminente. Cuba estabeleceu uma linha direta com uma companhia americana, a IDT, e firmou um acordo de roaming com a Sprint.

Publicidade

No entanto, o entusiasmo inicial foi substituído por algo mais “sóbrio”, disse James Williams, presidente do Engage Cuba, grupo que faz pressão para suspensão do embargo. “Francamente, acho que os cubanos estão convencidos com o forte aumento do interesse. A falta de receptividade tem dificultado as coisas”, afirmou Williams. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO