Liberal Clegg avança e ameaça romper tradição bipartidária na Grã-Bretanha

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Por Andrei Netto
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Em 15 de abril, quando foi feito o primeiro debate na TV entre os candidatos ao cargo de primeiro-ministro da Grã-Bretanha, o atual premiê e líder do Partido Trabalhista, Gordon Brown, repetiu nada menos de sete vezes uma expressão, diante de 9,9 milhões de expectadores: "Eu concordo com Nick." Para manter-se no poder após 13 anos de sucessivos governos, os trabalhistas terão de transformar o que foi um ato falho político em um mantra. Isso porque, com a ascensão nas pesquisas do candidato do Liberal, Nick Clegg, os trabalhistas já pensam em um governo de coalizão após a votação do dia 6.A possibilidade foi levantada nessa semana em Londres, quando Clegg, de 43 anos, conseguiu chegar ao segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, depois de uma atuação impecável nos dois primeiros debates da campanha. O desempenho ascendente daquele que é chamado de "Obama britânico" pelos mais eufóricos, porém, está longe de garantir uma maioria a seu partido no Parlamento, onde é escolhido o primeiro-ministro. Isso ocorre porque, pelo sistema distrital britânico, os deputados não são eleitos por proporção de votos do partido, mas por sua votação em cada circunscrição. Assim, o Legislativo é formado por uma colcha de interesses regionais, que não necessariamente espelha a soma de votos em todo o país. Desde 1974, o líder de uma minoria não é escolhido primeiro-ministro. Com base na média das últimas pesquisas, que davam a liderança ao conservador David Cameron, com cerca de 32% das intenções de voto, seguido de perto por Clegg e Brown, o instituto YouGov estimou que os trabalhistas devem conseguir 250 cadeiras no Parlamento, os conservadores, 240, e os liberais 130 - mesmo com o bom desempenho de Clegg. "Os conservadores e sobretudo os trabalhistas dispersam menos seus votos, concentrados em regiões-chave, nas zonas urbanas do norte da Inglaterra e da Escócia, para os trabalhistas, e nas zonas rurais, para os conservadores", explica Patrick Dunleavy, cientista político da London School of Economics (LSE).Se essa configuração se confirmar, nenhum dos partidos obterá a maioria de 326 cadeiras. Restarão, então, duas alternativas: a formação de um governo de minoria conservadora no Parlamento, que seria frágil, ou um governo de coalizão. Considerando as afinidades ideológicas britânicas, os liberais seguiriam o caminho natural de uma aliança com os trabalhistas. Aproximação. De olho nessa hipótese, Brown fez os primeiros gestos de uma aproximação na semana passada, quando empregou pela primeira vez a expressão "aliança progressista" em uma entrevista ao jornal The Independent."Existe um terreno comum sobre as questões constitucionais", afirmou o premiê, referindo-se à proposta dos liberais de reformar o sistema eleitoral, introduzindo a proporcionalidade. Brown ainda completou: "Cabe aos liberais responder". No mesmo dia, Peter Mandelson, secretário de Negócios no governo de Brown, reforçou a tentativa de aproximação. "O jovem Clegg tem estilo", disse.Mas há um histórico recente de afastamento entre os dois partidos. Nos últimos 13 anos, os trabalhistas evitaram a cooperação com os liberais. "Brown bloqueou sistemática e pessoalmente todos os projetos de reforma política", argumentou Clegg, respondendo ao gesto dos trabalhistas. "É um político desesperado, pronto para qualquer coisa. E eu não confio nele." Logo, em caso de uma eventual aproximação uma pergunta ficaria em aberto: se não Brown, quem poderia ser o premiê em uma aliança de trabalhistas e liberais? Em plena campanha, nenhum dos dois lados cogita de uma resposta. Os conservadores tentam tirar proveito das incoerências da aproximação. "Se você votar Nick, você terá Gordon", dizia uma frase da campanha conservadora dessa semana. Jogando com a rejeição a Brown, Cameron foi mais longe, e advertiu que um Parlamento sem maioria "levaria à estagnação, às trocas de favores e às querelas políticas".A divisão do Parlamento em três grandes forças enfraquece as chances de Cameron e ainda pode resultar na reforma da instituição, contra a qual os conservadores lutam. Essa é a opinião de Tony Travers, outro cientista político da LSE. "A eleição de um governo minoritário levaria à uma reforma profunda do sistema eleitoral, com uma mudança em direção ao sistema proporcional", diz Travers.

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