Lições da América Latina

Países em desenvolvimento veem a crise das nações ricas com preocupação, mas também com uma dose de prazer

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Por É JORNALISTA , SIMON , ROMERO , É JORNALISTA , SIMON e ROMERO
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Há vários meses, os latino-americanos acompanham as crises nos países em desenvolvimento com preocupação, perplexidade, ironia e, até mesmo, certo prazer maldoso com a desgraça alheia. Para eles, Europa e EUA apresentam, neste momento, problemas relativamente comuns à sua região - que, não faz muito tempo, era uma incansável defensora das operações de salvamento nas crises financeiras."O clima nas ruas de Paris é deprimente, as pessoas estão claramente preocupadas com seu futuro", afirmou Maria Cristina Terra, uma economista brasileira que se mudou para a França quatro anos atrás e voltou ao seu país este mês. "É um choque para todos nós que vimos a Europa tão sólida e próspera, mas o contraste com o Brasil é imenso."Em 2011, o desemprego na América Latina caiu para 6,8%, a menor taxa em 21 anos - em comparação com a de 8,5% nos EUA e cerca de 10% na Europa. O Panamá registrou um crescimento de 10,5% nos primeiros nove meses de 2011. A economia da Argentina teve uma expansão de 9,3% no terceiro trimestre de 2011.Em nenhum outro lugar esse novo clima está mais evidente do que no Brasil, que recentemente tirou da Grã-Bretanha o posto de sexta maior economia mundial. Apesar de certa fragilidade econômica recente, a taxa de desemprego do Brasil chegou a um nível histórico de 4,7%. A revista Veja comemorou com uma reportagem de capa: "Diariamente surgem no Brasil 19 novos milionários". Segundo determinados aspectos, o setor financeiro de São Paulo faz inveja a Wall Street. Cresce o número de brasileiros que visitam o exterior e podem comprovar o contraste in loco. "Estive no Zuccotti Park e me senti na América Latina, por volta de 1985", observou Matias Spektor, professor da Fundação Getúlio Vargas, referindo-se ao local que se tornou o centro do movimento Ocupe Wall Street em Nova York, antes que a polícia retirasse todos os manifestantes, em novembro. "Esse clima geral de dissenso e a desconfiança em relação à classe alta e à classe governante não são coisas que normalmente associamos aos EUA", afirmou.O Brasil, evidentemente, estava mais habituado a receber lições de Washington sobre suas desigualdades do que a ver os americanos criticarem o fosso cada vez maior entre os ricos e a classe média nos EUA. O Brasil estava tão acostumado com as crises que o cidadão médio até mostra um conhecimento extraordinário dos mercados financeiros. Muitos no Brasil observaram com satisfação que o "risco Brasil" se reduziu abaixo do dos EUA no ano passado. Alguns alertam contra esse triunfalismo. O Brasil ainda tem desigualdades chocantes e, embora tenha triplicado sua renda per capita nos últimos dez anos para cerca de US$ 12.500, parte desse aumento tem a ver com a valorização da sua moeda. Se é possível aprender com a história, os preços das commodities exportadas pelo Brasil e outros países latino-americanos não poderão permanecer tão elevados para sempre. Mas o fato de que milhões de pessoas recentemente saíram da miséria mais profunda, não só no Brasil, mas também nos seus vizinhos, estimula as pessoas a devolver a crítica aos que costumavam distribuir conselhos para a região com tanta liberalidade. Moisés Naím descreveu que a ansiedade que ele observou numa viagem a Bruxelas fez com que ele lembrasse o início dos anos 90, quando foi ministro do Planejamento da Venezuela e tentava controlar a situação econômica que devastou países latino-americanos durante parte das décadas de 80 e 90."Esperemos que a Europa consiga administrar sua crise como a América Latina aprendeu a fazer", disse Naím, em referência às transformações no Brasil, no Chile e na Colômbia. "Nesse sentido, seria desejável uma certa latino-americanização da Europa." Nem todos se mostram entusiasmados com as receitas latino-americanas, como o protecionismo que ainda permeia muitas grandes economias. Alguns observadores percebem certos paralelos entre a polarização da política nos EUA de hoje e a situação de certos países latino-americanos nos anos 60, quando as classes políticas não chegaram a um compromisso, permitindo o surgimento de uma crise após a outra. Patricio Navia, cientista político chileno da Universidade de Nova York, disse que o debate sobre o teto da dívida em Washington mostrou que as batalhas ideológicas poderiam levar a uma tensão política mais duradoura. "Quando você brinca com fogo, sai queimado", afirmou. As opiniões sobre os problemas do mundo desenvolvido variam consideravelmente no hemisfério, assim como as condições de um país para outro. Enquanto o Brasil agora mostra a sua força, nem todos os vizinhos compartilham de seu excesso de otimismo. E apontam para o exemplo da Argentina, um século atrás um dos países mais ricos do mundo. Uma longa série de crises mudou sua situação e a Argentina experimentou um assustador colapso financeiro há apenas dez anos. Desde então, graças em parte à alta impressionante do preço das commodities, seu crescimento econômico ultrapassou até o do vizinho Chile, cuja política voltada para o mercado frequentemente foi apontada como modelo. Citando a vigorosa recuperação da Argentina depois do calote da dívida, especialistas afirmam que esse país deveria ser um exemplo auspicioso para a Grécia e outros países da Europa que enfrentam graves dificuldades.Outros dizem que a Argentina é um exemplo melhor ainda de como os países podem aprender a conviver com a ideia de que talvez seus melhores dias já tenham passado. "A Argentina é o principal expoente do clube de nações totalmente obcecadas por seu declínio", escreveu Gabriel Saez, um estudioso argentino, num ensaio sobre a possibilidade de os EUA "perderem parte do seu estilo"."Portanto, é com prazer que damos as boas-vindas aos EUA em nosso clube de sofredores", acrescentou Saez, enumerando as vantagens de um fatalismo angustiado, pelo menos para os livreiros, os psicanalistas e os analistas políticos. "Venham e ocupem seu lugar lá, ao lado da França." / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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