Lições de Gaza

Mesmo que a paz abrangente não seja possível, o novo alinhamento regional permitirá que Israel e Hamas cheguem a um modus vivendi que beneficie ambas as partes

PUBLICIDADE

Por JACKSON DIEHL e É COLUNISTA
Atualização:

Quando Binyamin Netanyahu concordou com o cessar-fogo com o Hamas em vez da invasão da Faixa de Gaza por terra, certamente estava ciente de que a oposição em Israel o provocaria com as palavras que ele próprio pronunciou em 2009: "Devemos esmagar o poder do Hamas em Gaza. O próximo governo não terá outra alternativa senão acabar o que nós começamos e arrancar o terrorismo iraniano pela raiz".O fato de Netanyahu ter recuado é um testemunho de sua prudência ou da influência de Barack Obama. É a ratificação do resultado mais importante da atual crise de Gaza, que é a consolidação da nova frente islâmica como principal contraponto árabe a Israel, seu adversário e potencial interlocutor. Ela diz respeito não apenas ao Hamas, mas também a seus aliados, o governo do Egito liderado pela Irmandade Muçulmana, a Turquia e o Catar, os parceiros que a patrocinam. De um ponto de vista simples e pragmático, "esmagar" ou "arrancar pela raiz" o Hamas deixou de constituir uma opção. O Hamas tem o apoio dos governos mais poderosos e ricos da região, como é preferível à alternativa mais óbvia em Gaza, que são os movimentos jihadistas ainda mais próximos ao Irã. Essa poderá parecer uma notícia terrível, principalmente para os que apoiam o "processo de paz" convencional no Oriente Médio, à espera de que a reeleição de Obama propiciasse uma nova pressão para a negociação do Estado palestino. Mas para os falcões israelenses, como Netanyahu - e quem sabe até para as pombas - há motivo para uma comemoração tácita.Em primeiro lugar, a nova frente islâmica é muito mais fraca do que sugeriram as comemorações depois da declaração da trégua em Gaza. Embora tenha sobrevivido ao assassinato do seu chefe militar e conseguido bombardear Israel com 1,5 mil foguetes e tiros de morteiro, o Hamas, mais uma vez, demonstrou que não dispõe de meios para fazer mais do que assustar ou incomodar os israelenses. Ao contrário: o sucesso do sistema antimísseis, chamado Domo de Ferro, financiado pelos EUA, indica que os mísseis deixarão cada vez mais de constituir uma ameaça concreta. Ao mesmo tempo, tanto Gaza quanto o Egito continuam enfrentando graves problemas internos. Grande parte da infraestrutura de governo do Hamas foi destruída, incluindo os túneis que supriam a economia de Gaza e também suas armas. No Egito, o presidente Mohamed Morsi, enaltecido por intermediar o cessar-fogo, enfrentou na sexta-feira uma violenta reação interna contra sua tentativa de dotar-se de mais poder. Pelo fato de ter assinado há pouco um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para sustentar a vacilante economia egípcia, Morsi literalmente não poderá tão cedo desafiar Israel ou o Ocidente. O primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, está igualmente de mãos atadas em razão da guerra civil na vizinha Síria. Embora o Oriente Médio seja mais imprevisível do que nunca, é razoável prever que os radicais islâmicos se enfraquecerão ainda mais nos próximos anos. No Egito, a Irmandade Muçulmana não terá mais condições de sustentar uma autocracia depois do que aconteceu com Hosni Mubarak e será culpada por seu inevitável fracasso em atender às expectativas pós-revolucionárias. A capacidade do Irã de fornecer foguetes aos militantes de Gaza provavelmente desaparecerá em virtude das sanções econômicas e do desmoronamento do regime sírio, seu aliado. Ao mesmo tempo, esse episódio de Gaza poderá finalmente acabar com a ideia obstinadamente persistente de que Israel deveria negociar um acordo de paz com a Autoridade Palestina instalada na Cisjordânia sem o envolvimento do Hamas. O presidente palestino, Mahmoud Abbas, e suas forças de segurança sustentadas pelo Ocidente continuam relevantes, como provavelmente Abbas demonstrará amanhã quando conseguirá uma votação na Assembleia-Geral da ONU sobre o reconhecimento do Estado palestino. Mas Abbas nunca teve menos condições do que agora para falar em nome dos palestinos - e em todo caso mostrou-se repetidas vezes pouco disposto a negociar com Netanyahu ou a se comprometer com as concessões que um acordo de paz exigiria. Em vez de ficar observando mais uma rodada de estéreis manobras diplomáticas entre Abbas, Netanyahu e Obama, o Egito parece mais inclinado a supervisionar outra tentativa de intermediação de uma reconciliação entre as facções palestinas. No curto prazo, isso impediria as negociações de paz, para satisfação dos expoentes da linha dura de ambos os lados. Mas no longo prazo tornaria mais possível um acordo. As eleições palestinas - um provável elemento de qualquer acordo interno - poderiam produzir novos líderes e líderes mais fortes. Ao mesmo tempo, o governo de Morsi terá de optar entre pressionar os palestinos a avançar para um acordo com Israel ou tolerar a crescente instabilidade na fronteira do Egito. Mesmo que uma paz abrangente não seja possível, o novo alinhamento regional permitirá que Israel e Hamas cheguem a um modus vivendi que beneficie ambas as partes. Em troca de uma abertura maior das fronteiras e de uma oportunidade de desenvolvimento econômico com o apoio de seus novos aliados árabes, o Hamas poderá concordar com uma trégua mais completa e confiável que deixe em paz o sul de Israel. Uma paz real ainda está muito distante - mas isso será melhor para ambos os lados do que entrar em guerra a cada dois anos. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.