
18 de agosto de 2020 | 16h26
Atualizado 18 de agosto de 2020 | 21h57
BAMAKO - O presidente do Mali, Ibrahim Boubacar Keita, anunciou sua demissão pela TV nacional horas após ter sido capturado por militares rebeldes juntamente com seu primeiro-ministro, Boubou Cissé, nesta terça-feira, 18, na capital, Bamako. A prisão dos dois foi informada mais cedo a agências internacionais por um dos líderes do levante.
O anúncio foi feito em um discurso transmitido na quarta-feira, 19 (terça-feira no Brasil) pela televisão nacional ORTM. “Desejo neste preciso momento, enquanto agradeço ao povo do Mali pela sua companhia ao longo destes longos anos e pelo seu caloroso carinho, anunciar a minha decisão de abandonar todas as minhas funções a partir deste momento, com todas as consequências que se seguem: a dissolução da Assembleia Nacional e do governo", disse Keita.
Tanto o presidente como o premiê estiveram ausentes durante as longas horas do que parecia ser um motim no início e depois se transformou em um golpe de Estado. "Podemos dizer que o presidente e o primeiro-ministro estão sob nosso controle. Nós os detivemos em seu domicílio (do chefe de Estado)", declarou um líder militar, que não quis se identificar.
"IBK (presidente Keita) e seu primeiro-ministro seguiram em um veículo blindado com destino a Kati", um acampamento militar nos arredores de Bamako onde o motim começou horas antes, afirmou outra fonte militar rebelde.
Pela manhã, militares haviam tomado o controle de uma guarnição perto de Bamako, causando preocupação nos Estados Unidos e nos vizinhos do Mali sobre uma possível deposição do presidente, que enfrenta há dois meses protestos sem precedentes desde o golpe de 2012.
O governo do Mali pediu aos militares para "silenciar as armas", dizendo que estava pronto para um "diálogo fraterno para dissipar todos os mal-entendidos", segundo um comunicado de imprensa do primeiro-ministro divulgado mais cedo. "Os movimentos observados refletem uma certa frustração que pode ter causas legítimas."
Ao longo do dia, porém, esse comunicado foi questionado por observadores e atribuído a pessoas do entorno do primeiro-ministro que estariam tentando esconder a gravidade da situação.
Os principais países e organizações internacionais condenaram unanimemente o golpe, mas as ruas do país parecem festejar os acontecimentos. A primeira condenação veio da Comunidade dos Estados da África Ocidental (Cedeao), à qual pertence o Mali, que em comunicado urgente exortou os militares a "regressarem ao quartel sem demora", expressando a sua "forte oposição a qualquer mudança política inconstitucional”.
Por meio de um porta-voz, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, condenou as ações e pediu a "libertação imediata e sem condições" das autoridades do Mali.
O presidente da Comissão da União Africana, Moussa Faki Mahamat, expressou-se em termos semelhantes, exigindo que os golpistas renunciassem ao uso da violência e apelou ao respeito à institucionalidade no Mali.
A França, uma ex-potência colonial com grandes interesses no Mali, condenou o golpe "com a maior firmeza", nas palavras do seu ministro da Defesa, Jean-Yves Le Drian, que também expressou o seu respeito "à soberania e à democracia no Mali".
O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, advertiu por sua vez que um golpe "nunca é a solução para uma crise, por mais profunda que seja", escreveu Michel em sua conta no Twitter.
O alto representante da União Europeia (UE) para a Política Externa, Josep Borrell, condenou o golpe e rejeitou "qualquer mudança inconstitucional", apelando ao diálogo e pedindo para evitar uma maior desestabilização do país e da região.
O governo da Espanha, que tem uma missão no Mali para treinar a polícia local, expressou sua “rejeição a qualquer ataque violento às instituições da República de Mali".
Mas apesar de todas essas condenações e da falta de apoio externo, os golpistas parecem ter apoio popular, a julgar pelas expressões de alegria de uma multidão que à tarde invadiu muitas avenidas do país, confraternizando com os militares.
Cenas festivas compartilhadas por meio do celular mostraram inúmeros exemplos de celebração espontânea dos acontecimentos, o que sugere que os golpistas contam, por enquanto, com o apoio de grande parte da opinião pública. /AFP e EFE
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