Lieberman luta pela pureza nacional

Líder laico e ultradireitista quer governar o mínimo de árabes possível

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Por Jonathan Freedland e The Guardian
Atualização:

A busca de perspectivas reconfortantes na nuvem escura da eleição israelense de terça-feira requer uma grande força de vontade. Pode-se tirar conforto do fato de que o quase empate entre Binyamin "Bibi" Netanyahu, do Likud, e Tzipi Livni, do Kadima, seria mais facilmente resolvido com a dupla se alternando no poder. A virtude de um arranjo como esse poderia ser a exclusão do ultradireitista Avigdor Lieberman, cujo partido Israel Beiteinu (Israel Nossa Casa) conquistou o terceiro lugar na eleição. Lieberman não se encaixa diretamente na direita israelense. Primeiro porque é declaradamente secular. Aliás, muito de seu apelo foi para eleitores antirreligiosos. Conversas sobre a liberalização da venda de produtos suínos revelaram-se demais para ao menos um partido religioso, Shas, cujo líder espiritual advertiu que votar em Lieberman era votar em satã. Mais chocante ainda é a posição de Lieberman sobre a questão definidora da política israelense: a concessão territorial. A direita dura sempre se opôs à mera ideia disso. Mas Lieberman - que vive num assentamento na Cisjordânia - disse que estaria preparado até para desistir de sua casa. Diferentemente de seus colegas assentados, ele não vê a terra como um solo sagrado que não pode ser jamais concedida. O que separa Lieberman dos sionistas revisionistas tradicionais que formaram o Likud é que seu objetivo não é reter a máxima quantidade de terra possível, mas governar o mínimo de árabes possível. De maneira concisa, ele preferiria um país menor, etnicamente puro, a um maior, binacional. Para esse fim, ele abriria mão de áreas palestinas densamente povoadas na Cisjordânia e redesenharia a fronteira de tal modo que as áreas árabes de Israel pré-1967 se tornariam parte de um Estado palestino. Em outras palavras, os que hoje são cidadãos palestinos de Israel viveriam em suas mesmas casas - mas sob a jurisdição de um outro país. O Israel Beiteinu nega que isso seja racista, insistindo em que cada israelense terá de prestar juramento de fidelidade a Israel, judeu ou árabe. Se não jurarem sua lealdade, explica o vice de Lieberman, Uzi Landau, "eles terão direitos de residência, mas não direito de voto ou de integrar a Knesset". É uma ideia realmente chocante. Perguntei a vários luminares do Israel Beiteinu se eles poderiam nomear uma única democracia em qualquer parte do mundo que tivesse retirado a cidadania dos que já a possuíam. Perguntei o que fariam diante de exigências de que, por exemplo, judeus britânicos fizessem um juramento de lealdade à Grã-Bretanha, um país cristão, sob pena de perderem seu direito ao voto. Não recebi nenhuma resposta boa. A quem culpar por isso? O Israel Beiteinu culpa a liderança árabe israelense por exibir sua "deslealdade", especialmente durante a ofensiva na Faixa de Gaza, em janeiro, quando vários árabes-israelenses proclamaram sua solidariedade ao Hamas. Eles dizem que nenhuma sociedade democrática poderia tolerar uma quinta coluna como essa aplaudindo um inimigo. Mais do que tudo, é a sociedade israelense que precisa olhar seriamente para si mesma. Durante muito tempo, ela viveu dentro de uma bolha na qual só pode ver seu lado da história: eles nos atacam, então revidamos; estamos sitiados por forças hostis, somos a vítima. Nesse cenário, até um imigrante oriundo da Moldávia privar pessoas nascidas em sua própria terra de sua cidadania pode parecer aceitável. O que falta não é uma mera mudança no sistema eleitoral que permitiria o "governo forte" do tipo que Lieberman anseia adotar. O que falta é os israelenses saírem da bolha, começarem a ver as causas de suas aflições presentes, em vez de tratarem sempre de novo, cada vez com menos eficácia, dos sintomas. A eleição de terça-feira não sugere nenhuma confiança de que isso esteja prestes a acontecer. TRADUÇÃO DE CELSO MAURO PACIORNIK

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