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Ligação de Trump com Rússia reativa tensão nos Bálcãs 25 anos após guerra

Presidente do Kosovo apoiou Hillary em campanha por temer influência de Putin e agora tenta reaquecer laços com a Casa Branca comandada pelo magnata, com o argumento de que paz na região só é mantida em função do suporte militar americano

Por Jamil Chade , Belgrado e Sérvia
Atualização:

BELGRADO, SÉRVIA - A iniciativa era simbólica. Pela primeira vez em 18 anos, uma linha de trem iria ligar Belgrado ao Kosovo. Mas o que era para ser um momento de aproximação se transformou em uma provocação. Ao inaugurar a linha, os sérvios pintaram os vagões comprados de fornecedores russos com a bandeira do país e escreveram, em 21 línguas, a frase: “o Kosovo é da Sérvia”.

A provocação ocorrida em janeiro não foi por acaso. A chegada de Donald Trump ao poder nos EUA reabriu as esperanças de nacionalistas sérvios de que a região volte a ser zona de influência de Moscou, numa barganha global entre Trump e Vladimir Putin. Ou, na melhor das hipóteses, em um vácuo de poder deixado pelos americanos diante de uma revisão de suas prioridades.

Mural em Belgrado exibe Putin e Trump ao lado de mensagem nacionalista; kosovares buscam contatos nos EUA para reverter ação dos russos Foto: REUTERS/Marko Djurica

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Dentro do trem, cartazes foram colocados ilustrando imagens de heróis sérvios e santos ortodoxos. Imediatamente, o Kosovo anunciou que não permitiria que os trens entrassem no seu território e ordenou que policiais fossem deslocados para a fronteira.

A resposta sérvia não deixou a desejar em relação aos momentos de maior tensão da década de 90. O presidente Tomislav Nikolic emitiu um comunicado alertando o que ocorreria se o trem fosse alvo de algum incidente: “Iremos à guerra, assim como meus filhos também irão”. A crise levou o chanceler russo e aliado de Belgrado, Serguei Lavrov, a alertar para “os riscos de um confronto”.

Abertamente, autoridades sérvias veem um momento de redefinição de posições, o que poderia significar o abandono dos EUA de seus aliados nos Bálcãs. Pela Sérvia, cartazes com a imagem de Trump foram espalhados, num sinal claro do apoio de Belgrado ao novo presidente americano. Sua imagem, hoje, só é superada pela de Putin, estampada em broches e camisetas em lojas de souvenirs de Belgrado.

A presença russa na capital sérvia é ostensiva. Pela cidade, a publicidade da Gazprom - estatal russa de petróleo - usa justamente as bandeiras dos dois países, que têm as mesmas cores, para mostrar os laços permanentes entre Moscou e Belgrado. Na principal catedral da cidade, St. Sava, as obras de renovação estão sendo pagas pelo Kremlin e só na primeira fase vão custar ¤ 4 milhões. A nova cúpula será financiada pela Gazprom.

Ao assinar a doação, o chefe das relações externas da Igreja Ortodoxa Russa, Hilarion de Volokolamsk, deixou claro que as relações de aliança entre os dois povos já foram pagas até mesmo “com o sangue de soldados russos e datam de centenas de anos”. “O povo russo sempre estará com seus irmãos sérvios”, disse.

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Aos sérvios, o momento também é adequado para elevar o tom. No próximo mês, o país organiza eleições presidenciais. Uma vez mais, a carta nacionalista será colocada sobre a mesa na busca por votos. Depois de 25 anos, as feridas da guerra parecem cada vez mais expostas.

Mas o aprofundamento do nacionalismo não ocorre apenas do lado sérvio. No Kosovo, cresce o apoio ao movimento Vetevendosje, ou Autodeterminação, cujos membros acusam o governo de ceder aos sérvios e à influência da Rússia. Para demonstrar que esse não é o caso, as autoridades locais falam abertamente na criação de um Exército do Kosovo, algo a que a Sérvia se opõe.

O novo secretário de Defesa dos EUA, James Mattis, reabriu o debate sobre o estabelecimento de forças armadas em Pristina. “Antes que possamos reduzir nossa presença militar no Kosovo, seria prudente que o governo local recebesse o mandato de conduzir a defesa do território”, indicou Mattis em sabatina no Congresso americano.

Pristina, ciente de que precisa manter a aliança com a Casa Branca, foi uma das primeiras a buscar contatos com Trump. Num rápido encontro dias depois da posse do americano, a embaixadora do Kosovo nos EUA, Vlora Citaku, usou um evento social para se aproximar do presidente e alertá-lo que o Kosovo é “o país mais pró-americano do mundo”.

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O próprio presidente do Kosovo, Hashim Thaci, viajou até Washington para encontros com senadores republicanos para fazer um alerta: “Precisamos que os EUA tenham um papel de liderança em nossa região. A Europa está criando um vácuo que pode ser usado por outros”. Thaci é acusado pelos sérvios de ter feito parte de guerrilhas que cometeram crimes de guerra em 1999.

Durante a campanha nos EUA, o governo de Thaci saiu em apoio explícito a Hillary Clinton, justamente diante dos comentários pró-Putin de Trump. Agora, ele tenta refazer as relações e insiste que uma guerra nos Bálcãs apenas foi evitada por mais de uma década graças à vontade dos EUA.

A preocupação do Kosovo é que, em uma eventual barganha, Putin peça aos EUA para reduzir seu compromisso com a independência do Kosovo.

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Ex-funcionário da CIA, Marc Johnson acredita que as provocações seriam uma forma de levar guerrilhas do Kosovo a ameaçar sérvios, o que então levaria Belgrado - e Moscou - a intervir para “proteger” essa população. “Esse é o modelo da Crimeia”, disse Thaci, numa referência à sombra que paira sobre a região. Depois de anexar parte da Ucrânia, Moscou poderia “ajudar” outros aliados pelo Leste Europeu.