Limites dos EUA para Israel

Romney quer deixar ataque ao Irã nas mãos de Netanyahu, líder de um governo que já não respeita a ajuda americana

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Por ERIC L. LEWIS
Atualização:

Já deveríamos saber, embora aparentemente seja o contrário, que a trágica crise que toma conta do Oriente Médio exige mais diplomacia do que postura política. O assassinato do embaixador americano numa Líbia recentemente libertada, a carnificina praticada pelo regime sírio contra a população do país, a emergência de um governo conduzido pela Irmandade Muçulmana no Egito e o enigma representado pelas ambições nucleares iranianas mostram que essa região apresenta décadas de desafios complexos resumidos em tempo real. Respondendo a esses desafios, Mitt Romney mistura teatro político com slogans conservadores. Ao atacar o presidente Barack Obama por, supostamente, ter pedido desculpas a radicais islâmicos, ele parece incapaz ou não disposto a compreender as responsabilidades de um presidente que tenta lidar com uma situação volátil enquanto americanos correm perigo. Romney demonstra não ter nenhum respeito pela diplomacia em geral. Declara que "Deus não criou esse país para ser uma nação de seguidores" e defende que "num século americano, os EUA lideram o mundo livre". Seus delegados zombam do "tour de desculpas" de Obama e seus principais assessores, John Bolton e Dan Senor, pertencem a um grupo radical conservador contrário a qualquer política que diminua a liberdade de ação americana. Mas diante do problema exasperante de mais turbulência no Oriente Médio em consequência de um ataque israelense contra o Irã, para acabar com o programa nuclear iraniano, Romney pretende deixar a decisão para o premiê israelense Binyamin Netanyahu. Discursando no dia primeiro de setembro, Netanyahu afirmou que, se o governo Obama não estabelecer "limites" fixos aos quais o Irã deveria se ater, ele "não tem nenhum direito moral" de impedir Israel de empreender uma ação militar sozinho. O problema político, moral e fundamental está em saber se é uma prerrogativa soberana dos Estados Unidos decidir se uma guerra regional deve ser iniciada, guerra esta que certamente exigirá recursos americanos e talvez tropas americanas para pôr fim a ela. A ameaça à segurança dos EUA representada pelo programa nuclear iraniano não deve ser subestimada e o governo Obama a leva muito a sério. Continua mantendo todas as opções sobre a mesa, mas acha que é preciso mais algum tempo para as sanções surtirem efeito. Romney está disposto a delegar para Netanyahu a decisão de iniciar um conflito que o Exército americano acha prematuro, que não será plenamente eficaz e provocará um enorme aumento dos preços do petróleo, além de desestabilizar ainda mais o Líbano e a Síria, provavelmente consolidando o apoio doméstico a um regime iraniano profundamente impopular. Mas a questão na campanha presidencial não é se um ataque contra o Irã agora ou mais tarde é uma boa ideia, mas se uma decisão com enormes consequências estratégicas deve ser tomada pelo presidente americano ou pelo líder de um aliado dependente do poderio americano. Fortes defensores de Israel deveriam se inquietar com a perspectiva de o governo israelense não apenas ignorar as alternativas políticas do seu poderoso aliado, mas também querer se imiscuir na política interna americana para tentar influenciar a política externa do presidente. Imagine, por exemplo, se a Coreia do Sul decide invadir a Coreia do Norte para destruir suas instalações nucleares. Isso desencadearia uma guerra na Península Coreana que traria a China para o conflito e possivelmente outros países da região. Na verdade, a Coreia do Sul poderia tirar diretamente do website de Romney seu argumento para atacar: "A capacidade de possuir armas nucleares por parte de uma ditadura imprevisível com uma liderança desconhecida e uma cadeia de comando nada clara representa uma ameaça direta às forças americanas na Península Coreana e em outras partes do Leste da Ásia, ameaça a Coreia do Sul e Japão, nossos aliados, desestabiliza toda a região do Pacífico e pode levar à transferência ilícita de um dispositivo nuclear para outra nação renegada ou um grupo terrorista". Mas Romney não sugere um ataque a Pyongyang e certamente não está dando carta branca a Seul. Certamente Israel é um aliado especial, mas não tem o direito de adotar uma decisão em assuntos em que o poder e o interesse dos EUA estão inextricável e fundamentalmente envolvidos. É inconcebível que os EUA permitam que um outro aliado dependente de fundos americanos e sistemas de defesa americano tome uma decisão como essa unilateralmente. É também inconcebível que os EUA permitam que um governo estrangeiro intervenha diretamente no processo político americano para conseguir apoio popular para suas políticas envolvendo as objeções do governo. Mas autoridades do alto escalão israelense acham que o governo de Israel pode desafiar o desejo americano e circundar o presidente. De acordo com o jornal Haaretz "Ehud Barak (ministro da Defesa) diz que, se Israel agisse agora contra a vontade dos EUA, o Congresso estaria a favor de Israel contra o Irã". Michael Oren, embaixador de Israel em Washington, nomeado por Netanyahu, afirma que "o povo e o Congresso americanos apoiariam Israel agora se o país entrar em guerra com o Irã". As atitudes em Israel são fluídas e Ehud Barak parece ter se posicionado contra um ataque imediato, mas é surpreendente que autoridades do alto escalão de um governo estrangeiro cheguem a sugerir que os julgamentos do presidente americano podem ser contornados. A campanha de Mitt Romney parece achar tudo isso ótimo. "Se Israel tiver de agir sozinho para impedir o Irã de desenvolver armas nucleares, o governador respeitará essa decisão", disse Dan Senor, assessor na campanha para questões de segurança nacional de Romney, que deve assumir esse posto num governo Romney. A política americana sempre foi no sentido de corroborar o direito de Israel de existir dentro de fronteiras seguras e os EUA têm apoiado o seu aliado com bilhões de dólares e armamentos sofisticados. Esse apoio deve ter uma reciprocidade em termos de cooperação e respeito pela política americana, sem falar na não interferência na política doméstica dos EUA. Apesar de tudo o que se fala sobre poder e soberania americanos, Romney parece disposto a deixar que outra pessoa decida se começa a que pode ser a primeira guerra regional potencial do novo "século americano". Essa não é uma liderança de fato. É uma posição indulgente perigosa e um forte indício de um eventual presidente sem uma política externa genuína. Mais uma vez fica a questão de saber se Romney acredita no que está dizendo e se governaria com sensatez. Mas como aprendemos, em nosso grande detrimento na última década, o Oriente Médio não é lugar sobre o qual se fala negligentemente e sem refletir. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

 

*É ADVOGADO

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