Livro sobre o Le Monde prenuncia tempestade jornalística

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Por Agencia Estado
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Na França, o vespertino Le Monde é uma instituição, uma moral e uma consciência. Um "fio de prumo". Uma medida de todas as coisas. E isso há 60 anos. Além disso, é um jornal competente, bem informado e, às vezes, até talentoso. No exterior, é um dos grandes jornais do mundo, uma referência. No cenário político, um jornal de centro-esquerda. Habitualmente corajoso - guerra da Argélia, stalinismo, guerra do Vietnã, etc, etc. Ora, eis que o jornal Le Monde foi atacado com uma violência espantosa por um livro lançado na terça-feira, La Face Cachée du Monde (A Face Oculta do Monde, Éditions Mille et Une Nuits, 634 págs.), de Pierre Péan e Philippe Cohen. Há dias Paris esperava excitadíssima pela obra. O editor fabricou essa curiosidade. Liberou a publicação de algumas páginas na revista L´Express, revelou segredos, fez mistério. E, agora, soltou a bomba. Que está nas livrarias. Eu não li as 634 páginas. Tenho uma idéia do que é por meio dos resumos publicados nos jornais de hoje. E, sobretudo, no próprio Le Monde, que promove uma contra-ofensiva - um editorial, uma crônica humorística, uma apreciação crítica de uma página e um dossiê com a defesa. O livro é muito bem argumentado. Seus dois autores são grandes jornalistas investigativos que fuçaram por todos os lados durante dois anos. O que conseguiram obter pode ser dividido em duas partes. De um lado, a parte da gestão, finanças, etc... com algumas acusações: Le Monde, em péssima saúde financeira, está comprando outros títulos e está a um passo de constituir um poderoso grupo de mídia (com o Courrier International, etc, etc...), uma espécie de rota de fuga, no sentido de pilhar os jornais agrupados sob sua bandeira, da mesma maneira que a Roma antiga fazia com as províncias que conquistava. A isso, acrescente-se acusações mais pesadas: operações de lobby financiadas, convites duvidosos, etc, etc... O segundo grande capítulo diz respeito à linha geral do Monde, linha definida por três homens que são, no fundo, os três heróis do livro: o diretor, Jean-Marie Colombani, o diretor de redação, Edwy Plenel, e o conselheiro (o financista internacional Alain Marc). O trio que os dois autores examinam detalhadamente. Os autores não economizaram na pena. Fizeram longas entrevistas para compor o retrato dos três cavalheiros. O caso de Alain Minc é o mais simples: homem de negócios e ensaísta, ele é simplesmente o vetor "do capital e da finança globalizados", o que explica o fato de que Le Monde "adote tão freqüentemente o ponto de vista das elites internacionais". O caso dos dois outros é mais complexo e o livro não teme relatar até a história dos pais deles, sem se deixar levar pelo lado da psicanálise histórico-jornalística. No caso do patrão Jean-Marie Colombani, seu pai foi um corso muito pobre e nacionalista que fez, antes da guerra, seus estudos na Itália, em um seminário, e que tinha uma admiração por Mussolini, ao ponto de se tornar um agente indicado pela Roma fascista. Essas acusações têm fundamento? Supõe-se que sim. Mas até que ponto esse episódio da vida de seu pai pode ser convertido em acusação contra o filho? No caso de Edwy Plenel, o diretor da redação, também foi feita uma reconstituição. E lá encontramos, além do retrato de seus pais, a revelação de que Plenel foi trotskista antes de entrar no jornal Le Monde. Mais tarde, Plenel tornou-se um agente da CIA, o que não tem nada de surpreendente para um ex-trotskista. Moral desses dois retratos: "Colombani e Plenel, o guevarista e o democrata-cristão, parecem estar unidos por um mesmo ressentimento contra o lugar (um país, a França) com o qual seus pais entraram em conflito". É essa dupla história familiar que explicaria por que o Le Monde tem tamanho ódio por seu próprio país. À luz dessas análises, a tese defendida em La Face Cachée du Monde parece frágil e venenosa. Entretanto, os dois autores do livro são dois investigadores de grande talento e de honestidade reconhecida. Espere-se, pois, antes de se fazer uma avaliação equilibrada da obra. As avaliações críticas publicadas até agora são parciais. Mas, desde já, o livro repercutiu: é uma tempestade jornalística que se anuncia.

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