Londres dá exemplo a Washington

Grã-Bretanha reconhece que Hamas e Hezbollah são grupos políticos sem os quais a paz é impossível

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Por Roger Cohen
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A secretária de Estado Hillary Clinton conquistou as manchetes dos jornais ao convidar o Irã a participar de uma conferência sobre o Afeganistão, mas a notícia mais significativa a respeito do Oriente Médio há duas semanas veio da Grã-Bretanha. O país "reconsiderou" sua posição em relação ao Hezbollah e disse que abrirá um canal direto de comunicação com o grupo militante libanês. Como o Hamas na Faixa de Gaza, o Hezbollah há muito é tratado pelos EUA como um grupo terrorista. Este ponto de vista limitado ignorou o fato de que ambas as organizações são hoje movimentos políticos e sociais bem estabelecidos sem o envolvimento dos quais a paz regional é impossível. A Grã-Bretanha alinhou-se à posição dos EUA sobre o Hezbollah, mas reconheceu agora o equívoco cometido. Bill Marston, porta-voz da chancelaria, disse à Al-Jazira: "O Hezbollah é um fenômeno político e também uma parte fundamental do tecido nacional libanês. Temos de reconhecer este fato." Pode-se dizer exatamente a mesma coisa do Hamas. O grupo é um fenômeno político e faz parte do tecido nacional palestino. A diferença é que o Hezbollah está no governo libanês de união nacional, enquanto o Hamas venceu as eleições parlamentares de 2006, apenas para descobrir que a democracia no Oriente Médio só pode ser chamada de democracia se produzir o resultado certo. CONTATOS DIPLOMÁTICOS Os EUA devem seguir o exemplo britânico. Devem dar início a contatos diplomáticos com a ala política do Hezbollah. O governo Barack Obama também deve buscar cuidadosamente entrar em contato com elementos moderados do Hamas para produzir uma reconciliação entre Hamas e Fatah. Um restabelecimento das relações entre as duas facções palestinas foi obtido brevemente em Meca, em 2007. A melhor forma de retribuição por parte dos aliados autoritários e caros dos EUA - Arábia Saudita, Egito e Jordânia - seria ajudar na reconciliação entre os palestinos de Gaza leais ao Hamas e os palestinos da Cisjordânia leais ao Fatah do presidente Mahmud Abbas, mais moderado. Em relação ao Hamas, o Ocidente se atém a três precondições antes de dar início a qualquer forma de contato: o Hamas deve reconhecer Israel, abandonar o terrorismo e aceitar os compromissos firmados pelos palestinos. Isso foi reiterado por Hillary em sua primeira visita ao Oriente Médio. A carta de princípios do Hamas de 1988 é vil, mas acho um equívoco insistirmos na questão do reconhecimento prévio de Israel. Talvez o Hamas seja sincero quando defende o desaparecimento de Israel, mas também é possível que Israel na verdade não tenha a intenção de testemunhar a criação de um Estado palestino. O debate sobre o reconhecimento é, afinal, uma forma de evasão projetada para perpetuar o conflito. Israel, desde a época de Ben Gurion, construiu seu Estado a partir da criação de fatos concretos, e não da semântica. Muitos de seus líderes, incluindo Ehud Olmert e Tzipi Livni, passaram por incríveis odisseias políticas, indo da rejeição da divisão do território até a aceitação da solução de dois Estados. Ainda assim, eles tentam tachar o Hamas de irremediavelmente absolutista. Por qual motivo os árabes seriam menos pragmáticos do que os judeus? É claro que o reconhecimento de Israel por parte do Hamas antes das negociações é desejável. Mas será que isso é essencial? Não. O essencial é que o grupo renuncie à violência, juntamente com Israel, pondo fim ao ódio que alimenta a violência. E por falar na violência, vale lembrar qual foi a resposta de Israel aos esporádicos foguetes disparados pelo Hamas. O país matou mais de 1300 pessoas, muitas delas mulheres e crianças e destruiu milhares de lares em Gaza. Israel dá prosseguimento a um embargo imposto sobre 1,5 milhão de pessoas espremidas num estreito território. Israel não conseguiu praticamente nada além de manchar a própria imagem diante do mundo. Israel tem o direito de contra-atacar, mas toda resposta deve ser proporcional e regida pelo cálculo político sóbrio. Não é de surpreender que Hamas e Hezbollah sejam vistos no mundo árabe como movimentos legítimos de resistência. É hora de olhar para eles e adotar o novo ponto de vista britânico, o qual sugere que o contato possa encorajar o Hezbollah "a se afastar da violência e desempenhar um papel construtivo, democrático e pacífico". Em relação ao Irã, há no governo Obama duas escolas. Uma favorece pequenos passos, como convidar o Irã a ajudar na situação afegã; a outra percebe que nada mudará até que Obama consiga convencer Teerã de que está mudando sua estratégia, e não as suas táticas. Para tanto, Obama precisa dizer ao Irã que não busca uma mudança de regime e reconhece o papel que o país desempenha enquanto potência regional. A abordagem atual só nos levará ao mesmo beco sem saída que encontramos ao virar as costas a Hamas e Hezbollah. *Roger Cohen é colunista

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