Londres proíbe militares presos no Irã de venderem histórias

Dois dos 15 marinheiros capturados em março no Golfo Pérsico pelo Irã receberam cerca de R$ 1 milhão para revelarem detalhes da prisão, onde passaram 13 dias

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Por Agencia Estado
Atualização:

Nenhum militar britânico poderá vender suas histórias à imprensa até que se faça uma revisão das normas que regulamentam estas práticas, anunciou nesta segunda-feira, 9, o governo do Reino Unido, após a enxurrada de críticas que recebeu depois de permitir aos marinheiros capturados pelo Irã que cobrem por suas entrevistas. Contudo, a restrição vem à tona tarde o suficiente para evitar que dois dos 15 militares, libertados depois de 13 dias detidos, recontassem suas histórias em troca de pagamentos. A única mulher do grupo, Faye Turney, e Arthur Batchelor concederam entrevistas a revistas e redes de TV e a estimativa é que eles tenham ganhado cerca de 250 mil libras (R$ 1 milhão). "Quero ter certeza de que os responsáveis por tomar essas difíceis decisões tenham uma orientação clara para o futuro", afirmou nesta segunda o ministro da Defesa do Reino Unido, Des Browne, em suas primeiras declarações sobre a polêmica. "Até o momento, nenhum outro militar terá autorização para falar com a imprensa sobre suas experiências em troca de dinheiro", ressaltou em comunicado. Cativeiro A militar, de 25 anos, concedeu entrevistas exclusivas ao jornal sensacionalista The Sun e à televisão ITV, nas quais afirma que seus 13 dias de cativeiro não foram nada parecidos com o que pode ter ficado refletido nos vídeos divulgados por Teerã. Turney diz que foi separada do grupo, isolada durante cinco dias, ficou em uma cela de menos de quatro metros quadrados e foi obrigada a tirar toda a roupa, com exceção da calcinha, além de ter sido submetida a longos interrogatórios. Uma manhã, escutou pessoas serrando madeira e martelando pregos perto da cela. "Então, uma mulher entrou na minha cela e me mediu da cabeça aos pés com uma fita. Eu estava convencida de que estavam fazendo meu caixão", acrescentou a militar ao Sun, publicação do poderoso magnata Rupert Murdoch. Turner se transformou em centro de interesse dos meios de comunicação depois que o Irã divulgou três cartas escritas por ela. A militar afirmou que os iranianos disseram que, se escrevesse as mensagens, seria libertada, mas que, caso se negasse, seria julgada por espionagem e condenada a "vários anos" de prisão. Eles ainda fizeram com que acreditasse que seus colegas tinham sido libertados. Por isso, a militar acabou aceitando escrever as cartas para poder voltar a tempo do aniversário de oito anos de sua filha, mas se sentiu "uma traidora" por ter de criticar o Reino Unido e os Estados Unidos, como disse na entrevista que a "ITV" exibirá esta noite. Turney defendeu ainda sua decisão de contar sua história, pela qual teria recebido, segundo o jornal The Guardian, 100 mil libras (R$ 400 mil), quatro vezes mais que seu salário anual. Críticas Arthur Batchelor, que, com 20 anos, é o mais jovem do grupo, admitiu ao tablóide britânico Daily Mirror que ficou aterrorizado e que "chorou como um bebê". Parentes dos soldados britânicos mortos no Iraque, veteranos e a oposição criticaram a decisão do governo de autorizar que os 15 marítimos concedessem as entrevistas em troca de dinheiro. Para Mike Aston, pai de um dos seis policiais militares linchados por uma multidão em Majar al Kabir, no Iraque, em junho de 2003, a situação é "vergonhosa". Aston acredita que, se fizesse algo parecido, "mancharia" a memória de seu filho. O general Patrick Cordingley, que dirigiu a operação Ratos do Deserto na Guerra do Golfo de 1991, acusa o governo de ter usado os militares como "ferramenta de propaganda". Os soldados chegaram a Londres na quinta-feira após o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, ter anunciado no dia anterior de surpresa sua libertação. Os conservadores também falam de "propaganda" e acham que a medida é outra prova da "tendência" dos trabalhistas de informar primeiro a imprensa e depois o parlamento. No comunicado, o ministro da Defesa reconheceu o difícil "dilema" que a Marinha britânica (Royal Navy) enfrentou, mas acrescentou que todos os envolvidos no caso reconheciam que não se alcançou "um resultado satisfatório" e que deviam tirar lições da revisão ordenada pelo departamento. Nem todos os soldados detidos pelo Irã querem vender sua história. Nem o tenente Felix Carman nem o capitão Chris Air, no comando do grupo, pensam em comercializar suas versões do episódio, mas defendem o direito de seus companheiros de cobrar por contar a experiência. No entanto, os observadores acreditam que isto pode fazer não só com que os militares percam o apoio dos britânicos, mas também abrir a caixa de Pandora e fazer com que, no futuro, outros militares decidam contar sua versão das missões das quais participaram.

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