López Obrador visita Trump em momento crítico da pandemia e das eleições

A visita de hoje causou espanto e indignação em políticos de ambos os países; os EUA são o país com maior número de mortos por coronavírus nas Américas, e o México é o 3º 

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Por Mary Beth Sheridan e Kevin Sieff
Atualização:

CIDADE DO MÉXICO - Nos 19 meses desde que assumiu o cargo, o presidente Andrés Manuel López Obrador não deixou o país nenhuma vez. Nesta quarta-feira, 8, ele chega a Washington, para cumprimentar o líder mundial que mais tem feito para humilhar o México e os mexicanos, o presidente Donald Trump. No meio de uma pandemia. E uma campanha eleitoral nos Estados Unidos.

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A visita de hoje causou espanto e indignação em políticos de ambos os países. Treze dos 38 deputados do Congresso com ascendência hispânica pediram ao presidente Trump que adie a reunião, chamando-a de "uma tentativa flagrante de politizar a importante relação EUA-México" e uma manobra para desviar a atenção da pandemia de coronavírus.

Os EUA são o país com maior número de mortos por coronavírus nas Américas, e o México é o 3º. 

O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, em entrevista coletiva Foto: Sshenka Gutiérrez/EFE

Os mexicanos também temem que a primeira reunião presencial dos líderes implique o apoio de López Obrador à candidatura à reeleição de Trump. Se Trump perder para o candidato democrata Joe Biden, e se os democratas assumirem o controle de ambas as Casas do Congresso, alertou o ex-ministro das Relações Exteriores Bernardo Sepúlveda, "a relação bilateral será cheia de dificuldades e o México será o principal perdedor".

O objetivo ostensivo da viagem é celebrar o início do acordo comercial Estados Unidos-México-Canadá atualizado. Em um comunicado, Trump disse que esperava continuar "nosso importante diálogo sobre comércio, saúde e outras questões centrais à nossa prosperidade e segurança regionais".

Espera-se que seja uma visita amplamente simbólica. Os dois são presidentes populistas em extremos opostos do espectro político, e criaram um relacionamento surpreendentemente caloroso. López Obrador, um antigo porta-estandarte da esquerda do México, adotou uma espécie de realpolitik tropical com o maior parceiro comercial de seu país, concordando com as demandas de Trump para limitar a imigração.

"As vontades de Trump tiveram de ser acomodadas para o México atingir seu principal objetivo: preservar o tratado de livre comércio”, disse Federico Estévez, cientista político do Instituto Tecnológico Autônomo do México. “Nós não somos o Canadá. Não podíamos nos dar ao luxo de não seguir esse caminho."

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Policiais americanos na fronteira com o México examinam documentos de imigrantes; apesar dos esforços, ilegais ainda tentam entrar nos EUA Foto: Loren Elliott/Reuters

No início da presidência de López Obrador, parecia que ele entraria em conflito com Trump sobre a questão da imigração. López Obrador há muito descreveu a imigração como um direito humano e defendeu os trabalhadores mexicanos nos EUA.

Mas há um ano, quando o governo Trump ameaçou impor tarifas sobre as exportações mexicanas se o país não restringisse o número de requerentes de asilo que cruzavam o país, López Obrador usou a Guarda Nacional e deteve dezenas de milhares de centro-americanos. Ele também aceitou os protocolos de proteção a migrantes do governo Trump, que exige que os requerentes de asilo retornem ao México enquanto esperam por suas audiências nos EUA, muitas vezes por meses em abrigos ou acampamentos improvisados.

Essas políticas ajudaram a produzir um declínio dramático na migração, e Trump desde então elogiou López Obrador.

"Com Obrador, o México se transformou em um muro virtual para os Estados Unidos", disse Maureen Meyer, diretora do departamento de direitos dos imigrantes no Escritório de Washington sobre a América Latina (Wola), um grupo independente de estudos sobre a América Latina e suas relações com os Estados Unidos. "A prioridade de Obrador era manter o relacionamento com os EUA e ele estava disposto a aceitar esses custos no México".

Apostas no acordo comercial

Agora, no entanto, o número de mexicanos detidos na fronteira está aumentando - e poderá aumentar ainda mais se a economia dos EUA se recuperar, enquanto o México continuar a ceder.

O Fundo Monetário Internacional espera que o PIB do México caia 10,5% este ano - uma das piores contrações da América Latina. Analistas dizem que a visita de López Obrador a Washington reflete sua crença de que o acordo comercial é crucial para "reativar a economia".

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Mas há poucas razões, dizem eles, para acreditar que o acordo comercial criará significativamente mais empregos do que existiam sob o Acordo de Livre Comércio da América do Norte, seu antecessor.

"O acordo oferece segurança aos investidores, mas 95% é basicamente o mesmo que o NAFTA", disse Valeria Moy, economista e professora do Instituto Tecnológico Autônomo do México.

E economistas dizem que é improvável que o acordo comercial gere muitos novos investimentos estrangeiros, dada a incerteza criada pelo governo López Obrador. Ele cancelou um novo projeto de aeroporto na Cidade do México e uma cervejaria de US$ 1,4 bilhão em Mexicali, por alegações de corrupção, e recuou nas reformas para abrir o setor de energia a mais investimentos privados.

A fronteira entre EUA e México demarcada no Estado do Arizona Foto: Meridith Kohut/The New York Times

A viagem a Washington traz riscos em potencial e benefícios para López Obrador. Trump foi um crítico franco do México durante sua primeira campanha e seus primeiros dias no cargo. Ele criticou o Nafta como "o pior acordo comercial da história" e acusou o país de enviar drogas e criminosos aos Estados Unidos.

Durante a campanha de 2016, o então presidente Enrique Peña Nieto recebeu Trump em Los Pinos, a sede do governo. Em poucas horas, o candidato republicano enfureceu seus anfitriões ao declarar que construiria uma “grande muralha” na fronteira - e faria o México pagar por isso. Peña Nieto foi criticado por ter hospedado Trump.

Trump continua profundamente impopular no México. Mas López Obrador parece ter pago pouco preço por atender seus desejos. O líder mexicano disse na segunda-feira que Trump mudou de atitude em relação ao país.

"Nossos adversários dizem: 'Como posso ir se ele ofendeu os mexicanos?'", disse López Obrador. "Quero dizer às pessoas que, desde que estivemos no governo, houve uma relação de respeito, não apenas com o governo, mas, sobretudo, com o povo mexicano".

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Enrique Peña Nieto e Donald Trump dão entrevista juntos; líder mexicano foi criticado por não enfatizar publicamente sua oposição às propostas do republicano Foto: EFE/JORGE NUÑEZ

Autoridades mexicanas dizem que Trump forneceu mais de 400 respiradores durante a pandemia e ajudou o país nas negociações com a OPEP sobre cortes na produção de petróleo. A visita a Washington pode permitir que López Obrador enfatize uma negociação comercial bem-sucedida em um momento em que ele é amplamente acusado de manipular mal a pandemia. Mais de 30.000 mexicanos morreram de covid-19.

O primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, que também foi convidado para a reunião em Washington, se recusou a participar. López Obrador twittou segunda-feira que Trudeau visitaria o México "o mais rápido possível".

Para manter sua imagem de austeridade, López Obrador planeja voar em um jato comercial para Washington. Sua agenda inclui visitas ao Lincoln Memorial e a uma estátua do presidente e reformador político do século 19 Benito Juárez, perto do Kennedy Center. Ele também vai jantar com empresários.

López Obrador fez o teste para a covid-19 antes de deixar o México, e o resultado foi negativo. Autoridades disseram na semana passada que López Obrador nunca havia sido testado.

Ele não tem planos de se reunir com grupos de imigrantes nem com Joe Biden ou outros democratas. Se Biden vencer, disse Luis Rubio, presidente do Conselho Mexicano de Assuntos Internacionais, as autoridades mexicanas "acreditam que podem resolver o problema dos democratas".

Biden tem sido mais favorável aos direitos dos imigrantes e acordos internacionais do que Trump. No entanto, os democratas estão irritados com uma visita que poderia ser usada para aumentar a popularidade de Trump enquanto sua campanha enfrenta dificuldades. Se Trump for derrotado em novembro, Rubio disse: "será uma visita muito cara".

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