Lourival Sant'Anna: As tentativas de Trump de criar um novo Nafta

Novo acordo de livre-comércio deve encarecer produtos, principalmente os carros

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colunista convidado
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A estratégia do presidente Donald Trump de renegociar o Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (Nafta) tem surtido os efeitos desejados – mais sobre o México do que sobre o Canadá. As previsões mais pessimistas não se concretizaram: com as concessões mexicanas, os automóveis vão encarecer, mas isso já estava precificado pelo setor, e o Canadá nem se curvou nem ficou de fora.

Trump havia estabelecido sexta-feira como prazo final para a renegociação. Depois de anunciar um entendimento com o governo mexicano, na segunda-feira, ele passou a ameaçar o Canadá com a exclusão, o que na prática significaria um acordo bilateral EUA-México e o fim do Nafta. 

Para congressistas, Trump enfrentará uma árdua batalha se deixar o Canadá de fora do acordo Foto: REUTERS/Kevin Lamarque

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O prazo, dentro da estratégia de Trump, valia realmente só para o México. Pela lei americana, o presidente só pode assinar um acordo comercial 90 dias depois de notificar o Congresso. O presidente eleito do México, Andrés Manuel López Obrador, toma posse no dia 1.º de dezembro. Trump e o atual presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, não queriam correr o risco de jogar fora um ano de negociações. López Obrador poderia assumir uma posição mais dura.

Ele prometeu, por exemplo, reativar a agricultura do sul do México, devastada pela concorrência americana desde a introdução do Nafta. Daí a necessidade de notificar o Congresso até 31 de agosto, para começar a contar os três meses antes de 1.º de dezembro. Foi o que a Casa Branca fez na sexta-feira.

O risco de o Canadá ser excluído levou a chanceler Chrystia Freeland a encurtar um giro pela Europa e ir para Washington, na quarta-feira, reunir-se com o representante de Comércio dos EUA, Robert Lighthizer. Depois de três dias de negociações, tumultuadas pelo vazamento de uma declaração de Trump, de que seriam “totalmente nos termos” dele, EUA e Canadá não chegaram a um acordo. 

Assustado com a perspectiva do fim do Nafta, Peña Nieto insistia que preferia a inclusão do Canadá no acordo. Trump, na verdade, estava blefando. A aprovação de um acordo bilateral com o México requereria o apoio de 60 dos 100 senadores. Os republicanos têm apenas 50 e avisaram o presidente que apoiariam uma revisão trilateral do Nafta, que requer maioria simples, e não um acordo bilateral com o México.

Na carta ao Congresso, o governo informa que planeja assinar em 90 dias um acordo com o México e com o Canadá “se ele estiver disposto”. No início da semana, o premiê Justin Trudeau disse que “nenhum acordo é melhor do que um acordo ruim para o Canadá”. Os canadenses até acenaram com a abertura de seu mercado de laticínios, um tabu no país. Mas não arredaram pé do Capítulo 19 do Nafta, que impede os EUA de abrir processos contra parceiros por dumping e subsídios. Os EUA querem eliminar o capítulo – e, segundo Lighthizer, o México concordou.

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Na verdade, os mexicanos cederam em quase tudo. A porcentagem mínima de componentes fabricados nos EUA para carros montados no México por indústrias americanas subirá de 62,5% para 75%. O que estiver aquém disso sofrerá tarifa de 2,5% – algo que algumas montadoras preferirão absorver, repassando o preço para o consumidor. A proporção de aço, alumínio, vidro e outros materiais proveniente dos três países também vai aumentar.

Entre 40% e 45% dos veículos terão de ser montados por operários que recebam no mínimo US$ 16 por hora – patamar americano e canadense. O salário médio dos trabalhadores mexicanos na indústria automobilística é US$ 2,30. Outros direitos trabalhistas, já previstos no Nafta e nunca colocados em prática, devem ser impostos. Os trabalhadores dos três países sairão ganhando, num primeiro momento. Já os consumidores pagarão mais pelos carros. 

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