Lourival Sant'Anna: O efeito da economia nas urnas dos Estados Unidos

Os EUA registraram em abril queda do desemprego, de 4,1% para 3,9%. O dado tem consequências políticas de curto prazo favoráveis aos republicanos neste ano de renovação de todo o Congresso

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Os EUA registraram em abril queda do desemprego, de 4,1% para 3,9%. O dado tem consequências políticas de curto prazo favoráveis aos republicanos neste ano de renovação de toda a Câmara dos Deputados e de um terço do Senado. O índice sempre foi um dos indicadores mais influentes em eleições. Nas economias avançadas, porém, é preciso um olhar qualitativo. Isso ficou provado no plebiscito que excluiu os britânicos da União Europeia, nas votações expressivas dos ultranacionalistas na Europa e na eleição de Donald Trump.

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Presidente Donald Trump durante conversa com jornalistas na Casa Branca. Foto: AP Photo/J. Scott Applewhite

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Em alguns desses países, como EUA, Grã-Bretanha (4,2%) e Alemanha (5,3%), o desemprego é baixo. Já em outros, como França (8,9%) e Itália (11%), é alto. Todos esses eventos estão associados ao descontentamento do trabalhador branco de baixo nível de instrução. Ele pode até ter ofertas de emprego, mas se ressente da queda do salário e dos benefícios trabalhistas, fruto do fechamento de vagas na indústria e abertura no setor de serviços — mais dinâmico ou, na visão do antigo operário, mais precário. 

Por outro lado, ele pode não estar qualificado para o emprego industrial existente. A empresa de consultoria Deloitte fez um estudo segundo o qual serão abertas 3,5 milhões de vagas na indústria americana entre 2015 e 2025. A maior parte delas, 2,7 milhões, pela aposentadoria de seus atuais ocupantes. Entretanto, para 2 milhões dessas vagas não há operários capacitados. 

Parte dessas fábricas está, em diferentes graus, ingressando na chamada 4.ª Revolução Industrial, que une o mundo físico, a inteligência artificial e o campo da biologia. Esse processo só tende a se acelerar, com a introdução, em dez anos, da computação quântica. 

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Estudos econométricos do Instituto Peterson para Economia Mundial demonstraram que a automação e outros avanços tecnológicos têm muito mais peso sobre a redução do emprego industrial do que o livre comércio, eleito por Trump e outros populistas como algoz do trabalhador.

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Segundo relatório do Escritório de Estatísticas do Trabalho americano, publicado na sexta-feira, dos 164 mil empregos criados em abril, apenas 24 mil foram na indústria, o mesmo número de vagas criadas num único segmento do setor de serviços, a saúde. A mineração criou outras 8 mil vagas. O restante está espalhado pelos diversos segmentos de serviços. A pesquisa exclui o setor agropecuário.

Para cada vaga oferecida nos EUA, há apenas 1,1 pessoa procurando emprego. É por isso que um índice de desemprego ao redor de 4% é considerado tecnicamente pleno emprego: as vagas oferecidas equivalem ao número de desempregados. O que impede que o desemprego chegue a zero é o desencontro entre as vagas oferecidas e o tipo de emprego buscado. 

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O desencaixe pode ser causado pela geografia, mas isso tende a se resolver, com a população se deslocando em busca do emprego, principalmente nos EUA, onde essa mobilidade é grande. Outras causas são a falta de capacitação e o desinteresse do desempregado por aquele tipo de emprego.

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É aqui que a questão do emprego tem mais repercussões políticas. Várias pesquisas nos EUA mostram que a migração do trabalhador branco do Partido Democrata, que tinha a base sindical, para o Partido Republicano ocorreu entre 2009 e 2015. Portanto, durante os dois mandatos de Barack Obama e antes de Trump se lançar candidato. 

Trump apenas conseguiu canalizar melhor o descontentamento, não despertá-lo. Aspectos de identidade, incluindo o racial, mas não só ele, empurraram esses trabalhadores para a direita. São sentimentos difusos, entre eles a saudade de um passado industrial – que ninguém tem o poder de trazer de volta.