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Lucas Mendes: A mão visível

Colunista comenta posições de respeitados economistas americanos sobre intervenção do Estado na economia.

Por Lucas Mendes
Atualização:

Para quem não entende absolutamente nada de economia minhas conexões com economistas que ganharam o Nobel são surpreendentes: Wassily Leontief, Milton Friedman e Paul Samuelson. Não sei se entrevistei Robert Lucas, mas tenho certeza que entrevistei duas vezes John Kenneth Galbraith, que não ganhou, mas merecia. Destes, as duas entrevistas que me marcaram foram com Wassily Leontief, na sala dele em Harvard, e John Kenneth Galbraith, na casa dele, também em Harvard. Leontief porque era um bonachão adorável, contador de casos, parecia que estava pelo menos a duas vodcas - e não tinha bebido. Não me perguntem sobre a teoria dele, que valeu o prêmio Nobel. Era alguma fórmula matemática de calcular input e output na macroeconomia. Ou era na micro? A entrevista com Galbraith foi inesquecível porque ele me deu um tour da casa dele. A intenção era provar que morava num campus paradisíaco, num casarão super confortável, mas com máquinas velhas. Os americanos não estavam inventando mais nada, desde os anos 50. Iam perder a corrida para os japoneses. Vivia cercado por algumas das pessoas mais brilhantes do mundo e ganhava uma baba de dinheiro. "Evidente que se trata de uma injustiça", disse o Galbraith. "Quem deveria ganhar meu salário é o empregado da indústria que faz um trabalho repetitivo, banal, às vezes pesado, num ambiente feio e poluído (foi em 73)". Deu como exemplo a indústria automobilística. "Se os operários ganhassem melhor os país estaria mais próspero". A indústria automobilística americana de fato tomou uma surra das japonesas, depois deu a volta por cima, os empregados conseguiram pensões e benefícios tão bons quanto os professores universitários, quebraram a GM e a Chrysler. Hoje professores não medalhões e empregados da indústria automobilística começam com os mesmos salários e as mordomias são mais modestas. Adoraria ouvir a opinião de Galbraith sobre as mudanças. Não tenho o economista de Harvard, mas tenho meu entrevistado, John Cassidy, um dos mais influentes jornalistas econômicos, autor de dois livros, entre eles o best-seller How Markets Fail: The Logic of Economic Calamities, muito bem recebido, inclusive pelo prêmio Nobel Robert Solow. Em 2002, John Cassidy, impressionado com os preços do mercado imobiliário, visitou o subúrbio de Levitown, em Long Island, e anunciou num artigo profético na revista The New Yorker, que o mercado imobiliário ia quebrar. O livro de Cassidy tem quase 500 páginas e começa lá na fonte, Adam Smith, escocês, pai desta duvidosa ciência. O professor baixinho e careca dizia que os mercados tinham forças autorreguladoras, graças a uma mão invisível que corrigia as distorções e não precisava da mão do governo. "COM EXCEÇÃO DOS BANCOS". Vale colocar em maiúsculas porque os defensores do chamado "mercado livre" ou "laissez faire" sempre citaram Adam Smith para demonizar o governo e sempre omitem seu alerta sobre os bancos. Em resumo, o livro, dividido em três partes, mostra como nos Estados Unidos os defensores do mercado livre sem regulamento do governo ganharam a parada na década de 70. Quando a inflação americana chegou a 19%, o modelo Keynes se desintegrou. Bancos e financeiras, liderados pela escola de Chicago de Robert Lucas e Milton Friedman, deram o bote político. O aval do presidente Clinton veio em 94. Na segunda parte do livro, com o título de Economia com base realista, Cassidy mostra as distorções de Smith pelos defensores do capitalismo selvagem e tira do baú alguns economistas obscuros e sensatos como Hyman Minsky, que, além de escrever suas teses, dirigia um banco inexpressivo em Saint Louis, no Missouri. Na terceira parte do livro, Cassidy nos dá um precioso passo a passo da calamidade de 2008, sobre como os alertas foram ignorados pelo governo, banqueiros e financistas. O grande vilão da história foi o todo-poderoso chefe do Banco Central, Alan Greenspan, que finalmente admitiu o erro de manter as taxas de juros tão baixas por tanto tempo e acreditar na mão invisível e infalível do mercado livre. "Por que ninguém está na prisão?", pergunto. "Porque não há prisão para tanta gente. Teríamos que incluir os devedores que mentiram nos pedidos de empréstimos para conseguir suas hipotecas. Isto dá cadeia". Saímos dos três anos da Grande Recessão. O desemprego continua acima de 9%, mas os números da economia são melhores do que todas as economias dos países avançados. Será que o choque despertou a massa para a realidade? Ainda não. A irracionalidade racional explicado por Cassidy disseca esta extraordinária crença no mercado livre e descontrolado. A direita conservadora republicana e o Tea Party, financiados e manobrados pela Câmera de Comércio americana e outros lobbies poderosos, trabalham com eficiência para culpar Obama pelo desemprego e pela lentidão da recuperação econômica. Massacraram os democratas na última eleição e bloqueiam todas as iniciativas de maior controle do governo. A bem da verdade devo confessar que tenho uma mixaria de ações da Vale e da Petrobras e eu que sou a favor de mais controle do governo em bancos e financeiras. Mas estou alarmado com a mãozona do PT nas minhas empresas. Ricardo Amorim, colega de bancada no Manhattan Connection e respeitável economista, diz que as decisões do governo desvalorizaram ambas as ações. Ele me diz que há outros fatores para as quedas, mas para um investidor irracional como eu, como explica John Cassidy, só interessa o lucro. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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