Lucas Mendes: Mordida de mãe tigresa

Colunista comenta polêmica provocada por estilo de educação promovido por mãe chinesa a seus filhos nos EUA.

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Por Lucas Mendes
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O maior perigo chinês é a ambição chinesa? Não, é a moeda desvalorizada e o cofre de quase US$ 3 trilhões? Negativo. É a vaselina de líderes como o presidente Hu Jintao, que hoje enrola Obama em Washington? Nããããooo. São as Forças Armadas que enrolam Hu Jintao e o partido comunista? Nada disto. O maior perigo chinês é a mãe chinesa. Ela se chama Amy Chua, 49 anos, professora na Universidade de Yale, casada com um judeu americano, também professor de Yale, mãe de Louisa, a Lulu, de 15 anos, e Sophia, de 18. Estas foram as regras da casa de Chua, em Connecticut, um dos mais liberais Estados americanos. Suas meninas nunca podiam: - dormir ou brincar na casa de uma colega - trazer colegas para casa - participar de uma peça na escola - reclamar que não podiam participar de uma peça - assistir televisão ou brincar com jogos eletrônicos - escolher atividades extra-escolares - ter qualquer nota que não fosse a mais alta - não ser a primeira aluna em qualquer matéria que não fosse ginástica e teatro - tocar qualquer instrumento que não fosse violino ou piano - não tocar piano ou violino A lista de Amy Chua, tirada do livro Battle Hymn of the Tiger Mother (Hino de Guerra da Mãe Tigresa) foi publicada no Wall Street Journal e virou um campo de batalha na internet, com protestos e críticas de milhares de mães americanas, insultadas e enfurecidas pela Mãe Tigresa, que se identifica como Mãe Chinesa. Ela diz que conhece mães coreanas, jamaicanas, irlandesas e ganenses igualmente ferozes, mas as histórias de Amy arrepiam mães de todas as raças e etnias, até chinesas. Quando Lulu não conseguiu tocar uma peça difícil no piano, ela ameaçou doar os brinquedos favoritos da filha para o Exército da Salvação. Lulu passou horas no piano, chorou, teve pitis. "Depois de horas, ela tocou a versão certa e me agradeceu", escreveu a Tigresa. Em um aniversário da mãe, Lulu escreveu-lhe um cartão, que pareceu feito às pressas e foi devolvido com insultos: "Eu mereço melhor do que isto", castigou a mãe. Quando uma filha tirou uma nota menor do que uma colega coreana, passou a noite resolvendo 2 mil problemas de um livro. Passou na frente da coreana, mas em várias outras vezes, quando não correspondiam às expectativas da mãe, as filhas foram chamadas de "lixo". As meninas são primeiríssimas em tudo, de música a matemática, e Lulu só teve uma explosão, num restaurante em Moscou, quando levantou da mesa aos gritos de "eu detesto você, eu detesto a minha vida". Pelo livro - e pela foto com o cão Coco -, a família hoje vive em perfeita harmonia, as filhas adoram os pais e agradecem o rigor da mãe. Acham que a dedicação dela foi muito mais uma prova de amor do que de crueldade. A partir dos 13 anos, tiveram muitas das liberdades das colegas americanas. O pai judeu várias vezes interferiu entre mãe e filhas, mas era enquadrado como frouxo e mimador como os outros pais americanos que têm medo de ferir a autoestima dos filhos. Educadores, mães, pais e colunistas entraram na jaula da Chua. Há chicotadas para todos os lados. Nicholas D. Kristof, do New York Times, judeu casado com chinesa, concorda que a educação americana perde terreno para a chinesa. O filho dele vai para uma das melhores escolas públicas de Nova York, mas, em matemática, está um ano atrás dos alunos do vilarejo paupérrimo onde a mulher dele cresceu, no sul da China. "A ênfase em educação aconteceu nos últimos vinte anos", escreve ele. "Os professores chineses mal falavam mandarim. Hoje as crianças vão para a escola aos 2 anos e o ponto fraco da educação é a faculdade. São de terceira categoria. No resto, são campeões". Ele diz que esta obsessão com educação vem de Confúcio. Num recente teste comparativo de vários países, os alunos de Xangai foram os melhores do mundo em leitura, ciência e matemática. Dos cinco primeiros colocados, só a Finlândia não é confucionista (os outros três primeiros foram Hong Kong, Cingapura e Coreia do Sul). Até a década de 60 os americanos eram campeões em quase tudo, mas ficaram em 15º em leitura, 23º em ciências e 31º em matemática. De ano para ano, pioram. Frouxos e mimados? Pelo menos uma escola de Nova York acha que há excesso de repressão e disciplina. A New American Academy, no Lincoln Terrace Park, tem 60 crianças em cada sala com quatro professores. O único sinal de uma certa ordem é o uniforme. O resto é uma zorra total inspirada na famosa Phillips Exeter Academy, em que os alunos tinham liberdade quase ilimitada de expressão com professores extraordinariamente sensíveis. Eu fui vítima de pais mimadores. O querido Zefiuza nunca levantava a voz com os filhos. Bastava um olhar ou gesto de desaprovação. Mãe Elisa estava mais para gata do que tigresa. Dava umas palmadas e chineladas, mas eu tinha uns dez anos quando ela teve um ataque de riso corrrendo atrás de mim em volta da mesa. Depois disto, o chinelo foi aposentado. Se ela fosse tigresa onde estaria eu? BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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