Lucas Mendes: Patrões esquisitos

Colunista compara duas empresas com donos taiwanês e perfis opostos no trato com funcionários.

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Por Lucas Mendes
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Numa escala de 1 a 10, qual seu grau de esquisitice? Se você acha que não passa de um, então não procure emprego na Zappos. Se for 10 talvez seja esquisito demais, mas suas chances de conseguir emprego são melhores. Antes de maiores explicações, vamos dar dois cenários de empresas diferentes com conexões taiwanesas. A Foxconn, com sede em Taiwan, tem 700 mil empregados, 400 mil deles em Shenzen, no sul da China, onde fabricam componentes eletrônicos para Apple, Dell, Hewlet-Packard. Peças do iPhone e do iPad saem de lá. Os empregados da Foxconn trabalham onze horas por dia, às vezes 13 dias seguidos sem folga. Dormem nove em cada dormitório, mal sabem os nomes dos companheiros de quarto, só comem no bandejão da empresa. Qualquer tipo de lanche fora das horas de refeição é proibido. O limite de hora extras na China é de 36 horas por mês, mas na Foxconn muitos empregados fazem 112 horas. No fim das contas ganham US$ 1 por hora. Os banhos são frios. Estas condições do capitalismo chinês parecem piores do que os das empresas inglesas descritas por Marx e Engels, aqueles dois críticos do capitalismo selvagem inglês do século 19. Só este ano, houve 13 suicídios ou tentativas de suicídio na Foxconn, entre eles o de Ma Chiangquian, que discutiu com o chefe e, como castigo, foi limpar privadas. Em depressão e absolutamente infeliz, saiu da fábrica pela janela do nono andar. O suicídio de Ma já aumentou os salários na fábrica e os patrões anunciaram mudanças de atitude. Nós, consumidores dos produtos chineses, vamos pagar a conta e as consequências da inflacao que vem por aí. Na Zappos, com sede em Las Vegas e presidida pelo taiwanês Tony Hsieh, os empregados ditam os "valores essenciais" - "hardcore values" -, uma espécie de código de valores e comportamento da empresa. Os pais de Tony Hsieh vieram de Taiwan como imigrantes, e os três filhos cresceram em cima dos livros e instrumentos musicais. Esperavam que eles acrescentassem MDs, PhDs e outras abreviações preciosas aos sobrenomes. Tony estudou em Harvard, não acrescentou nada ao nome, mas junto com outro colega criou a LinkExchange que foi comprada pela Microsoft por US$ 265 milhões. Ele tinha 24 anos. No livro que lançou esta semana, aos 37 anos, ele conta que vendeu a empresa porque tomou pavor dela depois que cresceu de 10 para 100 empregados. Ele e o sócio não conseguiam sair da cama para ir trabalhar. Com o dinheiro, Tony Hsieh comprou parte da Zappos, uma empresa que vende sapatos pela internet. Na época, faturava US$ 1,6 milhão por ano. O problema dele de dinheiro já tinha sido resolvido (como presidente da Zappos, ganha R$ 5 mil por mês) com a venda da LinkExchange. O que ele queria era criar um lugar que desse prazer de trabalhar, revolucionar o capitalismo, como sugere o título do livro, Delivering Happiness: A Path to Profits, Passion and Purpose. (em tradução livre, Entregando Felicidade: Um caminho para Lucros, Paixao e Proposito). Uma das primeiras decisões dele quando assumiu a Zappos foi pedir a todos uma lista de sugestões do que deveriam ser os 10 valores essenciais ("hardcore values") da empresa. Chegaram a 37 propostas que foram reduzidas para 10, entre elas, "crie diversão e um pouco de esquisitice no trabalho". Vem daí a pergunta sobre quão esquisito é o candidato que pede emprego na Zappos. Este patrão escreve que se interessa tanto pelo conteúdo das respostas como pelas reações à pergunta: "A Zappos prefere as pessoas que sejam diferentes, todos nos somos meio esquisitos", diz Hsieh. Será preciso ser meio esquisito para vender sapatos? Talvez, mas este não é o ponto. A Zappos quer produzir o empregado feliz que dá lucro para a empresa. Não importa o produto. Um dia por ano - Bald and Blue Hair Day - , Hsieh raspa a cabeça de vários empregados, que escrevem a letra Z nas carecas, nas bochechas ou pintam seus cabelos de azul, a cor da Zappos. Esta é apenas uma das demonstrações de dedicação e apreço a empresa que paga bons salários, raramente demite, oferece refeições de graça, jogos e outras distrações durante o trabalho, horários flexíveis, excelente seguro de saúde. Você compra os sapatos pela internet, mas se precisar esclarecer dúvidas vai conversar com algumas das pessoas mais solícitas deste pais. Pode falar sobre as vantagens e desvantagens dos modelos dos sapatos. Ou sobre qualquer assunto. O tempo que quiser. Para reduzir custos, a maioria das empresas transferiram suas centrais telefônicas de atendimento ao cliente para a Índia e outros países. O da Zappos fica em Las Vegas. A Zappos, segundo a revista Fortune, é a 15ª melhor empresa para se trabalhar nos Estados Unidos. Esta também entre as empresas que lideram as listas dos empregados campeões de lealdade. Desde a entrada dele, as vendas da Zappos subiram de um US$ 1,6 milhão por ano para US$ 1 bilhão. Hsieh ainda não está feliz. Quer empregados que cheguem ao trabalho sapateando nas nuvens. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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