PUBLICIDADE

Lugo, o 'bispo dos pobres' que se tornou 'presidente solitário'

Ex-presidente fez história ao quebrar hegemonia de 60 anos do Partido Colorado no Paraguai.

Por Marcia Carmo
Atualização:

Chamado de "bispo dos pobres", Fernando Lugo entrou para a história do Paraguai ao enfrentar a cúpula católica para se candidatar e se tornar o primeiro presidente de esquerda do país. Lugo também fez história ao quebrar a hegemonia de seis décadas do Partido Colorado à frente do poder no Paraguai (incluindo os 35 anos do regime autoritário de Alfredo Stroessner, entre 1954 e 1989). Na Presidência, perdeu sua base de apoio, enfrentou oposição ferrenha e virou personagem do folclore político, quando vieram à tona os "filhos" do "presidente bispo". O conflito agrário que resultou em 18 mortes (entre camponeses e policiais) selou o destino de Lugo, cassado em um processo relâmpago de impeachment. Em pouco mais de 24 horas, Lugo foi apeado do poder, no que foi chamado de "golpe parlamentar" por analistas e lideranças políticas do Paraguai e da região. Eleito em abril de 2008, o paraguaio foi um presidente solitário. Governou sem apoio do Congresso e sob a mira de setores empresariais que questionavam sua capacidade de conter demandas reprimidas, como a dos agricultores dos sem-terra. Sina Lugo acabou repetindo a sina de outros presidentes paraguaios, que não conseguiram completar seus mandatos ao longo da turbulenta história do país. Com pouco mais de seis milhões de habitantes, o Paraguai registrou, em sua história recente, vários hiatos de democracia e de estabilidade institucional. Um deles levou o ex-presidente Raúl Cubas, destituído em 1999, a pedir asilo político no Brasil, onde Stroessner também viveu asilado. Lugo, um novato na política tradicional, deixou o Palácio de López, a residência oficial do presidente paraguaio, a apenas oito meses das eleições presidenciais, após perder o apoio decisivo dos liberais, do PLRA (Partido Liberal Radical Autentico), legenda do seu ex-vice e inimigo político, Federico Franco, agora seu sucessor. Novato Lugo chegou à Presidência usando seu carisma como religioso. Sua única experiência política até ser lançado pré-candidato em 2006 tinha sido a militância junto a movimentos sociais em sua diocese de San Pedro, uma das regiões mais pobres do país. Segundo observadores paraguaios, Lugo "pecou" ao não fazer alianças políticas para tentar "sobreviver" à forte oposição dos congressistas. Apesar de ter sido derrotado nas urnas, o Partido Colorado tinha a maior parte dos votos no Congresso e a simpatia da maioria dos 300 mil funcionários públicos filiados à legenda. Quando Lugo foi eleito pela Aliança Patriótica para a Mudança, que incluía partidos da esquerda à direita, um diplomata brasileiro alertou a BBC Brasil sobre os problemas que viriam pela frente. "Ele terá que ter muita cintura política para governar com este amplo perfil político e sem base própria no Congresso. Vai ser difícil agradar a todos e especialmente no Paraguai", disse, na ocasião. Filhos e câncer Lugo sobreviveu ao cargo mesmo quando surgiram informações, em 2009, de seu primeiro filho, fruto dos tempos em que era bispo. A notícia provocou comoção entre os paraguaios e virou motivo de deboche e até hit musical. O grupo de cumbia Los Angeles ganhou fama ao cantar que 'Lugo tem coração, mas não usou condón (camisinha)". O então presidente e ex-bispo foi acusado por quatro mulheres de ser pai de seus filhos, mas reconheceu reconheceu a paternidade de apenas duas das quatro crianças. Na Presidência, Lugo também enfrentou um câncer que o levou várias vezes à São Paulo, onde realizou o tratamento. Publicamente, Lugo aparecia sozinho e era visto por seus colegas presidentes como um político "tímido e afável", que mantinha hábitos da cultura paraguaia, como falar em guarani e tomar 'tereré' (chimarrão). Lugo deixa a Presidência de um país que registrou forte crescimento econômico nos últimos (apesar da desaceleração recente), favorecido pelo boom da soja, mas com problemas sociais. A expectativa é que ele volte para a casa onde morava, no município de Lambaré, na grande Assunção. Na parede, quando ainda era candidato, Lugo mantinha um quadro com a frase de Paulo Coelho: "O mundo está nas mãos daqueles que têm a coragem de sonhar e de viver seus sonhos". BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.