
19 de novembro de 2015 | 06h26
De longe Azzédine reconheceu o sorriso do filho. Depois, à medida que se aproximou, notou as muletas, a atitude fria. Eram as marcas de uma vida de combate que ele não compreendia, um vida da qual tentou desesperadamente salvar seu filho.
Num artigo publicado em dezembro de 2014, o jornal francês Le Monde relatou a dolorosa jornada do vendedor franco-argelino de 67 anos para tentar recuperar seu filho das mãos do Estado Islâmico.
Embora o artigo se referisse ao filho usando o pseudônimo “Khader”, sua verdadeira identidade foi revelada na segunda-feira: tratava-se de Samy Amimour – um francês, de 28 anos, identificado como um dos três homens-bomba responsáveis pela morte de mais de 80 pessoas na sala de concertos Bataclan em Paris, na noite de sexta-feira.
Le Monde republicou o artigo quando foi anunciado que Amimour era um dos terroristas. Na matéria, seu pai, Azzédine, foi chamado como Mohamed.
O artigo narra a história de um homem que perdeu o filho para forças que estavam além do seu controle e da sua compreensão.
Quando ainda vivia com seus pais num subúrbio a noroeste de Paris, Samy trabalhava como motorista de ônibus. O prefeito de Drancy, onde o jovem cresceu, disse a outro jornal, Libération, que se lembrava dele, “do menino bem educado, tímido e sempre usando roupas esportivas”.
Aos 22 anos, contudo, teve início a radicalização de Samy. Começou a frequentar uma mesquita, proibiu os pais de assistirem à TV e exigiu que sua mãe usasse véu.
Em 2012, Samy foi interrogado por autoridades francesas sobre seus vínculos com uma rede de simpatizantes do terrorismo e uma planejada viagem ao Iêmen que jamais ocorreu. Finalmente, ele partiu para a Síria e se juntou ao Estado Islâmico.
Azzédine preocupava-se de que, na Síria, o filho fosse assassinado pelos soldados de Bashar Assad. Na França, onde vários jovens jihadistas haviam sido condenados, ele temia que o rapaz fosse enviado à prisão.
Seu plano, então, era encontrar Samy na Síria e convencê-lo a começar uma vida nova na Argélia.
Nada aconteceu como ele previa.
Embora tenha conversado com o filho pelo Skype havia pelo menos um mês, Azzédine nunca entendeu o poder que o Estado Islâmico exercia sobre ele até ir visitá-lo sem avisar.
Determinado a convencer o filho de abandonar o caminho violento que estava seguindo, Azzédine só disse a ele que iria ao seu encontro quando chegasse à fronteira entre Turquia e Síria, depois de viajar da França para Istambul.
Embora suspeitando das intenções do pai. Samy colocou-o em contato com contrabandistas que o levaram até Minjeb, Siria, onde a bandeira negra do EI tremulava ao vento.
“Você veio lutar apesar da sua idade”, pessoas que viajavam com ele o elogiaram no final de uma viagem que incluía militantes armados e campos de minas.
Mas naturalmente seu objetivo era o oposto. Ele estava ali para tentar levar de volta para casa um dos combatentes que não era mais o filho que ele conhecia.
O encontro esperado havia meses foi gelado e brusco, um “fracasso”.
Samy veio de Raqqa, capital de facto do Estado Islâmico e estava acompanhado por um outro homem que jamais deixou os dois sozinhos.
Ele não levou o pai à sua casa e não explicou como havia sido ferido ou se participava de combates. Naquela noite Azzédine deu a ao filho um envelope com uma carta da mãe e ¤ 100 dentro. Samy leu a carta e devolveu o dinheiro, dizendo que não precisava dele.
Tentando compreender a nova vida do filho, Azzédine conversou com alguns militantes companheiros dele. Eles lhe mostraram vídeos de assassinatos ao vivo que o aterrorizaram ainda mais.
“Vi imagens horríveis. Não aguentava mais”, disse o pai.
Dois ou três dias após sua chegada à Síria, Azzédine partiu para a Turquia com o coração pesado e retornou à França sem ter nenhum problema com as autoridades da imigração.
Ele viajou com uma francesa de olhos verdes e seu bebê de seis meses.
“O marido dela estava se preparando para cometer um ataque suicida”, disse ele a Le Monde. “Ela parecia feliz.”
De volta à sua casa entendeu que nada conseguira com sua viagem à Síria. O filho lhe escapara. Sua mulher, contudo, ainda tinha esperanças de que Samy abandonaria o Estado Islâmico.
“Ela quer voltar à Síria comigo. Acha que conseguirá convencê-lo. Não quero que ele fique lá o resto de sua vida”, dizia.
Isso ocorreu em dezembro. Agora não há mais mistério sobre o que Samy estava fazendo com o Estado Islâmico e o que estava disposto a sacrificar. Numa palavra, tudo. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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