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Macron fecha escola de elite para diversificar o serviço público francês

A ENA, École nationale d'administration, é uma pequena faculdade francesa que formou presidentes e primeiros-ministros com tal consistência que não seria exagero dizer que a França foi administrada por seus “ENArques”

Por Roger Cohen
Atualização:
Foto do pátio interno da ENA, a Escola Nacional de Administração, em Estrasburgo Foto: Patrick HERTZOG / AFP

PARIS - Existem escolas de elite e existe a ENA, A Escola Nacional de Administração, uma pequena faculdade francesa que formou presidentes e primeiros-ministros com tal consistência que não seria exagero dizer que a França foi administrada por seus “ENArques”.

O presidente Emmanuel Macron frequentou essa escola superior para funcionários públicos de alto escalão, sediada em Estrasburgo. Assim como os dois primeiros-ministros que ele nomeou. E seu antecessor, François Hollande. E Jacques Chirac também. Num momento de crescente fratura social, nenhuma outra instituição simbolizou o elitismo – sobretudo masculino – francês tão vividamente quanto a École Nationale d’Administration.

Bandeiras da União Europeia e da França sob a porta de entrada da ENA Foto: AP Photo/Francois Mori

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Agora, tudo acabou. Na quinta-feira, Macron anunciou o fechamento da ENA e sua substituição por um novo Instituto de Serviço Público, ou ISP, como parte do que ele chamou de “profunda revolução no recrutamento para o serviço público”.

A decisão, um ano antes das eleições presidenciais, tem como objetivo sinalizar a determinação de Macron em democratizar as oportunidades e criar um serviço público mais transparente e eficiente. No início deste ano, ele lamentou o fato de o “elevador social” da França ter quebrado e estar funcionando “pior do que cinquenta anos atrás”.

Um comunicado da presidência disse que o encerramento da ENA fazia parte da “mais importante reforma do serviço público” desde que Charles de Gaulle criara a escola e outras instituições públicas, em 1945. Naquela época, uma França destruída pela guerra e envergonhada pela colaboração de Vichy com os nazistas precisava reconstruir inteiramente seu estado democrático. Resta saber se o novo instituto será apenas uma ENA com outro nome.

O presidente da França, Charles de Gaulle (ao centro, com o primeiro-ministro, Michel Debre (à direita), visitam a ENA em 1959 Foto: AFP

O comunicado disse que os futuros graduados precisarão ter mais mobilidade, indo trabalhar inicialmente em postos regionais, para ganhar experiência prática antes de assumir posições de “direção, controle ou julgamento”. As promoções não serão mais baseadas na experiência, mas sim no desempenho e na disposição de se locomover pelo país.

A ENA vinha sendo muito criticada como um clube privado que oferecia filiação vitalícia aos iniciados. Os futuros “ENArques” vinham principalmente de famílias ricas e profissionais e logo passavam para um mundo dourado de oportunidades tanto no setor público quanto no privado. Macron é o prodígio desse processo, tornando-se presidente aos 39 anos, após se formar na ENA 13 anos antes.

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Mas os violentos protestos dos coletes amarelos, um levante de trabalhadores marginalizados que começou no final de 2018, demonstraram como as tensões sociais francesas ficaram agudas. Fora do mundo metropolitano e hiperconectado, muitos franceses se sentem ignorados. Sem qualquer oportunidade, eles se tornaram, de alguma forma, invisíveis.

Na entrada da ENA, uma placa diz: 'Primeiro-ministro - Escola Nacional de Administração' Foto: REUTERS/Vincent Kessler

Macron fez da modernização do estado francês uma prioridade, pressionando para eliminar a burocracia excessiva e criar um serviço público mais eficiente e baseado no desempenho. É um trabalho ainda em andamento.

O presidente foi criticado por concentrar sua energia em atrair eleitores à direita do espectro político, numa tentativa de evitar um confronto com a líder de extrema direita Marine Le Pen.

Nesse contexto, parecia importante honrar uma decisão inicialmente tomada em resposta ao movimento dos coletes amarelos e que pretendia promover a mobilidade social e uma maior diversidade nos cargos de primeiro escalão do estado.

Vista noturna da entrada da Escola Nacional de Administração Foto: Patrick HERTZOG / AFP

“Entre os problemas mais vitais da França, há um com que você se depara todos os dias: a total fratura entre a suposta elite e a base da sociedade – pessoas que trabalham, que estão aposentadas, que estão desempregadas, além dos jovens e dos estudantes”, François Bayrou, um aliado político de Macron, disse à rádio France Inter.

Resta saber se ocorrerá alguma reforma profunda, de modo que as autoridades na cúpula do estado comecem, finalmente, a se parecer um pouco mais com uma sociedade francesa mais diversificada. / Tradução de Renato Prelorentzou.

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