Análise: Macron luta contra aposentadorias dos 'baby boomers'

Emmanuel Macron é o primeiro presidente francês em uma década que não é 'baby boomer' (ou seja, que não nasceu no pós-guerra). É algo que dá para notar

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Por Lionel Laurent / Bloomberg
Atualização:

A batalha – que já dura 41 anos – para reformar a economia de impostos altos e grandes gastos da França muitas vezes é travada em nome da igualdade entre as gerações, em grande medida inclinando a balança em prejuízo dos idosos e em favor dos jovens. No ano passado, em um gesto para ajudar os jovens que chegam ao mercado de trabalho, o governo Macron aumentou os impostos sobre os aposentados – um movimento impopular, que depois foi revertido em face dos protestos de rua dos Coletes Amarelos.

Manifestante usa máscara do presidente, Emmanuel Macron, durante protesto em Lille, no norte da França. Foto: AP Photo/Michel Spingler

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Agora, Macron volta a mirar os aposentados, desta vez propondo abandonar os bizantinos planos de aposentadoria do país (existem 42) em favor de um sistema universal, baseado em pontos, que seria mais transparente e igualitário para as gerações futuras. Ele o apresentou como o plano do “século 21” para uma sociedade em transformação, na qual o trabalho por conta própria e por meio período (que apresentam uma desvantagem natural na aposentadoria) já constituem mais de um terço dos empregos.

A reação dos sindicatos tem sido intransigente, desencadeando greves de grandes dimensões que não se viam em anos. O século 21 não parece muito divertido para aqueles que paralisam o transporte público: nivelar as coisas significaria encerrar esquemas generosos como aqueles que permitem que os ferroviários e metroviários se aposentem aos 56 ou 57 anos, com uma pensão bancada pelos fundos dos contribuintes. A ação de greve prevista para terça-feira será um grande teste para saber se os sindicatos conseguem manter a pressão: depois que um primeiro protesto atraiu 800 mil pessoas, segundo dados do governo, a participação da semana passada caiu para 339 mil.

A arrogância juvenil de Macron não está ajudando a apagar o fogo. A atitude desdenhosa do governo em relação aos sindicatos e sua incapacidade de explicar a reforma em detalhes aumentaram o apoio público aos grevistas. Os tumultos pioraram na segunda-feira, quando Jean-Paul Delevoye, 72 anos, o homem do governo para a reforma, renunciou após não revelar 13 empregos paralelos e posições de interesse. Não foi exatamente a propaganda ideal para uma sociedade que prega o estamos-todos-juntos.

Ainda assim, é um pouco deprimente que a coalizão de forças que atualmente paralisa a França em nome da segurança previdenciária não queira reconhecer verdades duras que pouco têm a ver com o atual ocupante do Palácio do Eliseu.

Há uma grande divisão demográfica se abrindo entre os baby boomers, que estão se aposentando do mercado de trabalho, e seus filhos, que ainda estão tentando entrar. Hoje em dia, os franceses se aposentam cerca de quatro anos antes da média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (65 anos), com pensões cujas taxas de reposição de renda estão acima da média e são financiadas pelas contribuições dos que trabalham. Hoje, os baby boomers franceses estão muito bem: os maiores de 65 anos representam 60% de toda a riqueza e cerca de 75% deles possuem casa própria (entre os menores de 40 anos, o número cai para 49%). Um estudo de 2018 revelou que os aposentados tinham um padrão de vida mais alto do que a média nacional.

A geração do milênio não terá tanta sorte. A França conta hoje com cerca de 71 pessoas com mais de 65 anos para cada 100 com menos de 20 anos. As estatísticas oficiais da França projetam que, até 2050, a proporção será de 122 pessoas com mais de 65 anos para cada 100 com menos de 20. As estimativas da OCDE sugerem que, embora atualmente haja quase três trabalhadores financiando um aposentado, em 2050 haverá menos de dois. A triste verdade é que as aposentadorias de amanhã serão menos generosas e exigirão que as pessoas trabalhem mais, especialmente se os gastos estatais com as pensões se mantiverem em torno de 14% do PIB. A França não está sozinha – trata-se de um fenômeno de toda a Europa – mas é claramente um obstáculo para o futuro das finanças.

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A reforma de Macron, embora não chegue a ser uma solução decisiva, deveria, pelo menos em parte, tratar desse desafio, incentivando as pessoas a trabalhar por mais tempo, eliminando disparidades e tornando o sistema de pensões muito mais transparente. A intenção explícita era ser uma abordagem mais suave do que simplesmente aumentar a idade da aposentadoria e deixar as mudanças maiores para mais tarde. Mas a abordagem saiu pela culatra: o incentivo mais parece um empurrão para os franceses, que agora associam Macron a pensões mais baixas, mais tempo de serviço e até mesmo um sistema disfarçadamente privatizado. O estilo jupiteriano de Macron não ajudou sua causa, mas não deixa de ser irônico que uma reforma que tentava evitar remédios amargos para aos franceses tenha sido encarada exatamente como isto.

À medida que o conflito se arrasta, é provável que uma reforma destinada a provar que os franceses conseguem lidar com uma revolução copernicana nas aposentadorias venha a provar justamente o contrário. Haverá concessões, atrasos e ambiguidades. Esses 42 tons de cinza sobreviverão por mais algum tempo, e o governo Macron provavelmente sairá enfraquecido. Mas a luta pelo que deve ser a pensão do século 21 não vai acabar, e Macron merece crédito por tentar. Mesmo se os trabalhadores em greve vencerem desta vez, será apenas uma vitória de Pirro. / Tradução de Renato Prelorentzou

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