Madaya, uma cidade com gente, mas sem vida

Para Hajjad Malik, representante do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), situação na cidade síria é 'terrível'; ONU negocia retirada de 400 pessoas para serem tratadas fora da cidade

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Por Jamil Chade , Correspondente e Genebra
Atualização:

GENEBRA - Uma cidade com gente, mas sem vida. Foi assim que um dos altos funcionários da ONU explicou a situação de Madaya, cidade síria na fronteira com o Líbano que, depois de seis meses de bloqueio, começou na segunda-feira a receber alimentos e outros suprimentos enviados por organizações de ajuda humanitária. Para a entidade, porém, as 42 mil pessoas do local "conviviam com a morte, desnutrição e uma situação de desespero". 

Sitiar populações se transformou, nos últimos dois anos, em uma das táticas do governo de Bashar Assad para punir locais que tenham dado espaço para opositores, ainda que moderados. Para a ONU, tal prática é um "crime de guerra". 

Moradores de Madaya, na Síria, aguardam as ruas da cidade a chegada do comboio com ajuda humanitária Foto: AFP / Marwan IBRAHIM

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Falando por telefone da Síria a um grupo de jornalistas, Hajjad Malik, representante do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), descreveu o cenário da cidade sitiada. "Em Madaya há pessoas, mas não vida. Não há comida, luz e aquecimento diante das baixas temperaturas", alertou. "É algo terrível."

Segundo Malik, as crianças estão comendo grama e várias já perderam pernas ou braços ao pisar em minas terrestres tentando buscar comida. Para a ONU e a Organização Mundial da Saúde (OMS), a desnutrição na cidade é "generalizada". 

De acordo com seu levantamento, mais da metade da população de Madaya é composta por crianças. Por isso, a primeira leva de abastecimento ao local foi direcionada a alimentos altamente energéticos. Nesta terça-feira, espera-se que leite também seja distribuído para amenizar dezenas de casos de mães que já não conseguem amamentar em razão de sua própria desnutrição. 

Nas últimas semanas, os preços do pouco alimento no local explodiram. Um quilo de arroz estava custando mais de US$ 250 e 900 gramas de leite em pó valia até US$ 300. Maliki alerta, porém, que não basta realizar apenas uma entrega de alimentos. "Não servirá de nada se, amanhã, tudo voltar ao que estava antes e o bloqueio for restabelecido", disse.

Segundo a ONU, 4,5 milhões de sírios precisam ser alimentados e, desse total, 400 mil vivem em cidades sitiadas. Em Madaya, um total de 47 caminhões foram autorizados a entrar no local, no primeiro acesso de grupos humanitários autorizado desde outubro. Outros 21 caminhões foram enviados para as cidades de Fua e Kefraya, na Província de Idlib. 

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A ONU admite que, até agora, não conseguiu contabilizar o número de mortos pela fome na cidade de Madaya. Segundo a OMS, porém, os únicos três médicos na cidade confirmaram um "elevado número de mortes por falta de comida". 

O porta-voz para Assuntos Humanitários da ONU, Jens Laerke, disse também que está sendo negociada a retirada de cerca de 400 pessoas, justamente para permitir que recebam tratamento médicos em outros lugares em melhores condições. Nesta terça-feira, um segundo comboio de alimentos entrará na cidade e, para o fim de semana, um terceiro abastecimento está sendo já planejado.

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