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É escritor venezuelano e membro do Carnegie Endowment. Escreve quinzenalmente

Opinião|Maduro é irrelevante

É difícil dizer qual é seu maior defeito: a cruel indiferença com o sofrimento de milhões de venezuelanos ou a brutal conduta ditatorial?

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Atualização:

Nicolas Maduro não deve continuar presidindo a Venezuela. É difícil dizer qual é seu maior defeito: a cruel indiferença com o sofrimento de milhões de venezuelanos ou a brutal conduta ditatorial? O que indigna mais: sua imensa ignorância ou vê-lo dançando na televisão enquanto nas ruas seus esbirros assassinam jovens indefesos? A lista é longa e os venezuelanos a conhecem – 90% deles repudiam Maduro. Mas não apenas os venezuelanos. O restante do mundo também descobriu – finalmente – o caráter ditatorial, corrupto e inepto de Nicolás Maduro.

Presidente venezuelano, Nicolás Maduro, decretou feriado de cinco dias para funcionários públicos na Semana Santa Foto: AFP PHOTO / Presidencia Venezuela

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E, no entanto, não é Maduro o que importa. Tirá-lo do poder não basta. Ele é simplesmente o bobo útil, o títere dos que realmente mandam na Venezuela: os cubanos, os narcotraficantes e as viúvas do chavismo. E, obviamente, os militares – ainda que, tristemente, as Forças Armadas tenham sido subjugadas e estejam a serviço dos verdadeiros donos do país. Assim, vemos diariamente militares dispostos a massacrar seu povo para preservar no poder a oligarquia criminosa que governa a Venezuela.

O componente mais importante dessa oligarquia é o governo cubano. Há três anos, escrevi: “A ajuda venezuelana é indispensável para evitar que a economia cubana entre em colapso. Ter um governo em Caracas que mantenha tal ajuda é um objetivo vital do Estado cubano. E Cuba acumula há décadas experiência, conhecimentos e contatos que lhe permitem operar internacionalmente com grande eficiência e, quando necessário, de modo quase invisível”.

Para Cuba, é óbvio, não há prioridade maior que continuar controlando e saqueando a Venezuela. E Havana sabe como fazer isso. Os cubanos aperfeiçoaram as técnicas do Estado policial: repressão constante, mas seletiva; compra de consciências por meio de extorsão e suborno; espionagem e delação. Mas, acima de tudo, os cubanos sabem como se proteger de um golpe militar. 

Essa é a ameaça que paira sobre toda ditadura e, por isso, controlar as Forças Armadas é requisito indispensável para qualquer ditador que se preze. Os cubanos exportaram para a Venezuela suas técnicas de controle dos militares e os efeitos são evidentes: os militares que não simpatizam com o regime de Chávez e Maduro foram neutralizados, enquanto os que o apoiam enriqueceram. 

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Não é por acaso que a Venezuela tem hoje mais generais que a Otan ou os Estados Unidos. Ou que muitos ex-generais estejam exilados, presos ou mortos. É por isso que na Venezuela de hoje a esperança de que militares patriotas, democratas e honrados defendam a nação, e não aqueles que a espoliam, tem sido, até agora, apenas uma esperança. Mas, além disso, Cuba ganhou da Venezuela um presente inédito nos anais da geopolítica: um presidente, Hugo Chávez, que convida outro país, Cuba, a controlar funções estratégicas de seu governo em matéria de segurança, economia, política e, claro, Forças Armadas e cidadania. Há poucas decisões importantes tomadas pelo governo da Venezuela que não sejam aconselhadas, desenhadas ou ordenadas pelo regime cubano.

Ou influenciadas pelos narcotraficantes. Eles constituem o outro grande poder que faz com que Nicolás Maduro não tenha muita importância. A Venezuela é hoje uma das principais rotas da droga para os Estados Unidos e a Europa. Isso significa bilhões de dólares em jogo e a operação, na Venezuela, de uma vasta rede de pessoas e organizações que controlam esse comércio ilícito e a enorme quantidade de dinheiro por ele gerada. Segundo o governo dos EUA, uma dessas pessoas é o vice-presidente da Venezuela, Tareck El Aissami, ao lado de um bom número de militares e de parentes e sócios da atual oligarquia chavista.

Os herdeiros políticos de Chávez são o terceiro grande componente do poder real na Venezuela. Naturalmente, Nicolás Maduro, sua mulher, Cilia Flores, e muitos de seus parentes e associados fazem parte dessa oligarquia. No entanto, nessa elite existem diferentes “famílias”, “cartéis” e grupos que lutam entre si por poder econômico, influência nas decisões de governo e nomeação para cargos importantes, assim como pelo controle de mercados ilícitos – do tráfico de pessoas ao contrabando de armas e à lavagem de dinheiro. 

O contrabando e o comércio de comida, remédios e produtos de todo tipo é outra das atividades com as quais oligarquia chavista lucra. E lucram também os cubanos, os militares e seus sócios. Os três grupos se entrelaçam nos negócios, corrupção e exercício do poder. É preciso depor Maduro, mas isso apenas não basta. É indispensável minimizar os três nefastos centros de poder que realmente mandam na Venezuela. Não será fácil, mas é possível. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

*É ESCRITOR VENEZUELANO E MEMBRO DO CARNEGIE ENDOWMENT EM WASHINGTON

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Opinião por Moisés Naim

É escritor venezuelano e membro do Carnegie Endowmen

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