Maior cemitério de Lisboa recebe mortos pela covid-19 identificados apenas por números

Desde o início do ano, Portugal registrou uma média de 180 mortes por coronavírus por dia

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Por Redação
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LISBOA - "Estamos sobrecarregados", lamenta Ricardo Pereira, compactando o solo argiloso entre as sepulturas escavadas no maior cemitério de Lisboa, rapidamente preenchido com mortos vítimas da covid-19 e identificados por um simples número.

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"Este lote foi ocupado em cerca de 50 dias, enquanto normalmente demora quase um ano", explica à Agência France-Presse, de pá na mão, o coveiro de 36 anos, empregado no cemitério do Alto de São João.

A jornada de trabalho da equipe começa com o sepultamento de duas pessoas sem recursos de um centro social de Lisboa, ambas sob suspeita de terem morrido por covid, conta Fausto Caridade, responsável pelo cemitério.

No maior cemitério de Lisboa, sepulturas de vítimas da covid-19 são identificadas apenas com números Foto: Patricia de Melo Moreira/AFP

Assim, quando o carro fúnebre chega, sem o acompanhamento de familiares, os quatro trabalhadores do cemitério vestem o traje de proteção para o sepultamento de mortos por covid: máscara, luvas azuis e combinação branca que os cobre da cabeça aos pés. 

Os dois caixões são colocados lado a lado, enquanto quase não há lugares disponíveis na seção do cemitério, onde as sepulturas se distinguem apenas pelos números escritos em pequenas placas plantadas na terra recém-mexida.

"Perceber a realidade"

No corredor central desta seção, aberta no final de dezembro para acomodar a maioria dos mortos da covid-19, coroas de flores ainda frescas se amontoam enquanto uma escavadeira está pronta para retomar o serviço e cavar novas sepulturas.

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"As pessoas deveriam vir aqui para perceber a realidade", lamenta Maria João Costa, que foi enterrar a mãe, vítima do coronavírus aos 80 anos.

"Há duas semanas minha mãe recebeu a primeira dose da vacina" em sua casa de repouso, conta Maria, emocionada e vestida de preto, olhando o retrato de sua mãe.

Desde o início do ano, Portugal registrou uma média de 180 mortes por dia por coronavírus Foto: Patricia de Melo Moreira/AFP

Desde o início do ano, Portugal registrou uma média de 180 mortes por dia por coronavírus. Excluindo os micro-Estados, é o sexto país da Europa e do mundo com o maior balanço em relação à sua população. 

Com pouco mais de 1.500 mortes por milhão de habitantes desde o início da pandemia, está atrás da Itália, mas à frente dos Estados Unidos e da vizinha Espanha.

Confinado desde meados de janeiro, o país viu cair drasticamente o índice de novos contágios, e o número de mortes diárias se reduziu para cerca de 100 por dia após um recorde de mais de 300. O número de enterros ainda é, no entanto, muito alto.

Pico de mortalidade

"Há sempre muitos corpos nos necrotérios à espera de serem enterrados", relata o coveiro Ricardo Pereira.

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A pandemia causou em Portugal um aumento sem precedentes na mortalidade desde a gripe espanhola de 1920 Foto: Patricia de Melo Moreira/AFP

E, dos dez enterros previstos para o dia no cemitério do Alto de São João, o maior da capital portuguesa, metade são vítimas da covid.

Na aleia principal do cemitério, no meio dos mausoléus brancos, está um dos três crematórios da cidade que, desde o início do ano, funciona a todo vapor, da manhã à noite.

Normalmente, em janeiro, o número de cremações em Lisboa é de uma dúzia por dia.

"Atualmente, funciona na sua capacidade máxima, com mais de 20" cremações por dia, indica Sara Gonçalves, responsável na prefeitura de Lisboa pela gestão dos cemitérios.

A pandemia causou em Portugal um aumento sem precedentes na mortalidade desde a gripe espanhola de 1920, com um total de mais de 123 mil óbitos no ano passado. Quase 16 mil mortes foram atribuídas à covid, sendo mais da metade delas desde o início do ano. /AFP

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