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'Mandela tinha muito marketing pessoal'

Biógrafo diz que líder cometeu deslizes ao ignorar erros de aliados e manter relação ruim com a primeira mulher

Por Cristiano Dias - O Estado de S. Paulo
Atualização:

Durante muito tempo, Tom Lodge foi cientista político da Universidade de Witwatersrand, em Johannesburgo. Hoje, é pesquisador de questões africanas do Departamento de Políticas Públicas da Universidade de Limerick, na Irlanda, mas ainda é um dos mais respeitados biógrafos do revolucionário líder sul-africano. Mandela: A Critical Life, escrita por ele, é uma das mais equilibradas biografias de Nelson Mandela, um personagem que costuma atrair muito mais elogios do que críticas.

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Em entrevista ao Estado, Lodge fala dos defeitos do ex-presidente, de sua personalidade, de seus inimigos e, principalmente, da insistência em relevar os deslizes de aliados, como Muamar Kadafi, ex-ditador da Líbia, Fidel Castro, ex-presidente de Cuba, e Robert Mugabe, presidente do Zimbábue. A seguir, os principais trechos da conversa.

É difícil ser neutro e objetivo quando se trata de analisar os defeitos de Mandela. Na sua opinião, quais foram suas maiores falhas? O sr. acha que ele sobreviverá a um eventual revisionismo no futuro?

Um dos maiores erros de Mandela é o fato de ele não ter conseguido ser nunca um bom marido. Pelo menos não para sua primeira mulher, Evelyn, que era tratada por ele de maneira vergonhosa. Além disso, ele sempre foi muito tolerante com os defeitos de amigos e aliados, como Robert Mugabe (presidente do Zimbábue), Muamar Kadafi (ex-ditador da Líbia), Hafez Assad (líder sírio e pai do atual presidente, Bashar Assad) e Fidel Castro (ex-presidente de Cuba). No entanto, de uma maneira geral, acho que suas qualidade superam muito suas fraquezas, principalmente quando pensamos em Mandela como estadista.

O que o sr. acha que fez de Mandela uma figura tão especial, capaz de inspirar tanta gente em diferentes partes do mundo? É só carisma ou tinha uma boa dose de autopromoção?

Ele tinha muito marketing pessoal, sem dúvida. Mandela começou a ser tratado como um "líder" nos anos 50. O surgimento do fotojornalismo ajudou muito a consolidar essa imagem. Sua educação britânica e missionária ajudou bastante para que ele se tornasse um personagem acessível para todos os países de língua inglesa e, em boa medida, para toda a civilização ocidental.

Muito se fala sobre a importância de Mandela na redemocratização, mas pouco se comenta sobre o papel de Frederik de Klerk (último presidente branco do país). O sr. acha que ele é subestimado? Como foi a relação dos dois após o Nobel da Paz?

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A participação de De Klerk realmente é muito subestimada. Ele merece muito mais crédito pela democratização da África do Sul. Certamente, justifica o fato de ele ter dividido com Mandela o Nobel da Paz de 1993. Nos anos 90, ele assumiu riscos enormes. Com relação aos dois, nunca houve muita afinidade entre eles. De Klerk nunca foi muito caloroso com Mandela, que se ressentia do fato de ter de depender das decisões de De Klerk.

É fácil saber quem eram os aliados históricos de Mandela. Mas, em razão de sua personalidade conciliatória, é muito mais complicado descobrir quem foram seus maiores rivais. Quem exerceu esse papel?

Acho que Walter Sisulu foi seu maior parceiro. O mais perto que ele chegou de ter uma pessoa que pudesse ser considerada um amigo. De maneira geral, Mandela nunca causou animosidades pessoais, apesar de em alguns momentos, principalmente durante as negociações sobre a abertura política, as relações com De Klerk terem ficado muito ruins. Mas, respondendo à sua pergunta, acho que a pessoa que publicamente foi mais hostil a ele foi Winnie (ex-mulher de Mandela).

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Grande referência de Mandela, Mahatma Gandhi, também viveu na África do Sul durante o apartheid. Ele e Mandela carregavam um pacifismo que está em extinção. O quanto aquele ambiente segregacionista influenciou esse tipo de estadista?

A África do Sul foi fundamental para ambos. Inicialmente, Gandhi desenvolveu e testou no país suas ideias sobre a força da verdade ("satiagraha", filosofia criada por ele para o movimento de resistência não violenta na Índia). Foi na África do Sul que ele conseguiu obter os direitos de propriedade para imigrantes indianos, quando trabalhou como advogado em Durban e Johannesburgo.

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