Maoístas nepaleses prometem respeito ao livre mercado

Após 10 anos de guerra contra a monarquia, partido tranqüiliza população

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Por Gilles Lapouge
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Não longe do Tibete, a dois passos do Everest e seus 8.848 metros de altitude, o Nepal, que votou para abolir sua monarquia, é um pequeno país de 30 milhões de habitantes, muito pobre (renda per capita de US$ 1.100), muito lindo e muito religioso (80% de hindus). Em geral, não se fala muito dele. Ele é calmo, mas, quando se agita, é para valer. Nos anos 70, sua capital, Katmandu, tornou-se ponto de encontro de hippies e fazia o mundo sonhar com uma sociedade sem pecados, com dias radiantes e sonolentos, sob as neves eternas, entre flores e drogas. Mas em junho de 2001 o rei do Nepal e uma boa parte da família real foram assassinados pelo filho do soberano. Shakespeare e Sófocles juntos nas neves eternas. Um membro da família havia escapado do massacre, o irmão do rei, Gyanendra, que logo subiu ao trono. Infelizmente, Gyanendra é uma nulidade autoritária e feroz. Seu filho, o príncipe herdeiro, é um "hooligan". Como esse rei é insuportável, os maoístas - que por dez anos travaram uma guerra selvagem pelo poder, que deixou 13 mil mortos - impuseram a idéia de sua deposição. Há dois anos, os rebeldes cessaram os combates, mas com a condição de que a monarquia fosse abolida e instituída uma república. A Assembléia Constituinte eleita na votação de quinta-feira abolirá a monarquia de 238 anos no Nepal. Gyanendra será deposto. E o rei não será o único a partir. Com ele, um outro personagem ainda mais majestoso será abolido: o deus hindu Vishnu, já que o rei do Nepal é considerado sua encarnação na Terra. Um deus a menos! Mas não é preciso temer uma escassez: segundo os últimos recenseamentos, os deuses do hinduísmo somam 36 milhões. E depois? Depois, três partidos dividirão o poder. O Partido do Congresso, o Partido Comunista do Nepal e o Partido Maoísta do Nepal. Os maoístas possivelmente não sairão vencedores - segundo os primeiros resultados oficiais eles devem ficar em terceiro lugar -, mas pouco importa. Eles têm uma influência predominante graças às bases que estabeleceram. E os maoístas preveniram: se as coisas não saírem como eles querem, "voltarão para a selva" e a guerra recomeçará. Os maoístas têm a vantagem de ter uma sólida formação política. Há anos eles lêem Marx, Engels e Mao. Isso forma um cérebro. Eles tranqüilizam, dizendo: "Respeitaremos a livre empresa." Se alguém se espantar com o fato de que um dos últimos partidos maoístas existentes, ao chegar à soleira do poder, esteja preparando o advento de uma sociedade liberal, eles estão pouco ligando: "Os três grandes pensadores comunistas, Marx, Engels e Lenin", diz o ideólogo nepalês Baburam Bhattari, "demonstram que entre o feudalismo e o socialismo há uma fase intermediária, o capitalismo." No Nepal não existe capitalismo. Então, é preciso criá-lo, desenvolvê-lo, para então chegar ao "socialismo". Os resultados em Katmandu foram divulgados ontem, pois a capital foi o único centro de votação a utilizar urnas eletrônicas. Ali, o candidato vencedor foi o do Partido do Congresso, com 14 mil votos, seguido pelo do Partido Comunista do Nepal, com 6 mil. O candidato maoísta ficou em terceiro lugar, com 4 mil votos. As queixas de fraude feitas por vários partidos levaram a Comissão Eleitoral a cancelar a eleição em 60 das 20.888 mesas de votação. Essas mesas pertencem a dez distritos, nos quais a votação será refeita.

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