Marca do horror dificilmente se apagará

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Por Gilles Lapouge
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A seção de tortura da qual foi vítima a advogada brasileira Paula Oliveira nas proximidades de Zurique é de arrebentar o coração. Uma noite de horror. Voltando para casa em Stattbach, a jovem é capturada por três homens vestidos de preto. É então torturada durante quinze minutos, quinze eternidades, marcada com estilete na barriga, nos braços, nas pernas. Enquanto a polícia investiga, devemos interpretar com prudência a agressão. Mas a lentidão policial surpreende. E quando ela finalmente se move, parece duvidar do testemunho da jovem. É algo chocante, principalmente por se tratar de uma jovem tão selvagemente marcada. Ontem de manhã, a polícia suíça, um pouco envergonhada, explica a lentidão e suas suspeitas: no ano passado, uma jovem alemã teria contado uma história semelhante e posteriormente descobriu-se que ela havia mentido. Ela própria se infligira as feridas. É possível. Mas isso não é uma desculpa. Diante de uma jovem nessas condições, não se pode começar pondo em dúvida sua palavra. Ela deve ser socorrida, ajudada. Se for o caso, verifica-se mais tarde. A maior parte das polícias europeias mostra a mesma desconfiança, a mesma má vontade em reconhecer a barbárie, principalmente quando dela emana certo odor nazista. Se acrescentarmos à inércia oficial o medo de muitas vítimas de apresentar queixa, pode-se concluir que as agressões são muito mais numerosas do que as estatísticas afirmam. E se se tratar de um bando de jovens cretinos, drogados ou de desempregados, de vândalos? Aparentemente, Paula não foi roubada. As suspeitas então dirigem-se para os grupelhos neonazistas que fazem estragos na Europa. No domingo, por exemplo, são esperados em Dresden 6 mil neonazistas para a realização da "marcha fúnebre" que, anualmente, lembra os bombardeios que destruíram essa cidade alemã em 1944. Os bárbaros gravaram com estiletes na carne da jovem a sigla SVP. O SVP (Partido Popular Suíço, em alemão) é promovido por um político talentoso, grosseiro, agressivo e demagogo, Christoph Blocher, que é um riquíssimo empreendedor. Blocher corresponde aproximadamente ao que é na França Jean-Marie Le Pen ou, na Áustria, ao que foi Jorg Haider - agitadores populistas que não conseguem esconder sua atração pela lenda nazista. A marca neonazista pode ser detectada na maneira como o ataque ocorreu: à noite, em uma atmosfera gótica, as longas vestes negras e as siglas inscritas em desenhos de sangue na carne das vítimas. A "sacralização do sangue", o sangue como "rito de passagem" são temas obsessivos dos fanáticos do "nada", sejam eles inspirados pela Al-Qaeda ou pelo nazismo. "Sangue e honra", intitula-se uma das gangues neonazistas. Por ocasião de um concerto clandestino realizado em Brig, na Suíça, em dia 23 de janeiro, foi repetidamente gritado o slogan "O sangue deve correr". Impossível citar todas as torpezas da Europa, são demasiadamente numerosas. Na região de Flandres, Bélgica, os extremistas obtêm regularmente nas eleições 25% dos votos. Eles são financiados por uma dezena de pequenas agremiações misteriosas. Na Inglaterra, também existem inúmeras células neonazistas. Ao mesmo tempo, multiplicam-se bandos desprovidos de qualquer ideologia, adeptos da baderna, da violência pura, indiferente e cega. As vítimas são escolhidas ao acaso e torturadas até o insuportável. Há dois anos, em Bagneux, em um bairro de Paris, uma "gangue de bárbaros", entre 16 e 32 anos, sequestrou um jovem; seus membros bateram nele durante três semanas, até matá-lo. A vítima era um judeu. Mas também em Israel há xenofobia. Há algumas semanas circulou na Internet uma palavra de ordem: "Se você quiser arrebentar um árabe, apareça hoje à noite com um cassetete porque a violência é o meio legítimo de restaurar a hegemonia judaica no Norte de Jerusalém." Posteriormente, dois jovens árabes que passavam pelo local foram encontrados, vivos, mas banhados em sangue. Na Rússia, onde são enumerados oficialmente 141 grupos próximos dos neonazistas, o alvo único é o "estrangeiro". As gangues saem à noite e batem em todos que não tenham uma "fisionomia" russa: árabes, caucasianos, negros, chechenos, asiáticos. A brutalidade é repugnante. Cair em suas mãos significa morrer. Na Eslováquia, as gangues são ecléticas. Elas visam todas as minorias: a prioridade cabe aos judeus (à "sujeira", dizem). Do mesmo modo, um cigano que cai em suas garras precisa encomendar a alma a Deus. O mesmo ocorre com os sem-teto e com os drogados. Por quê? Mistério. Este breve e aleatório "tour da vergonha" não esclarece o calvário da jovem brasileira torturada no país mais civilizado do planeta. Terá ela esbarrado em verdadeiros neonazistas, como sugere o estilo da agressão? Terá sido simples objeto de divertimento de três idiotas que camuflam sua nulidade mórbida sob o disfarce neonazista? Será que algum dia saberemos? A única coisa certa é que as marcas do horror, mesmo que desapareçam da carne da moça, dificilmente se apagarão no profundo de suas noites. Como poderá ela esquecer que esteve cara a cara com o mal? * Gilles Lapouge é correspondente em Paris

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